quinta-feira, 31 de março de 2011

A apropriação da propaganda sobre a arte e a personificação de um objeto de consumo

Nem sempre um tema de pesquisa vem fácil. Algumas vezes brigamos com ele, moldamo-o dentro de nós até ele sair. O artigo que Vicente Sinato Filho compartilha conosco foi o resultado desta briga. E quem ganha somos nós´por poder ler as reflexões que dela surgiram.

A  apropriação da propaganda sobre a arte e a  personificação  de um objeto de consumo

Vicente Sinato Filho

           Resumo: Pretende-se mostrar no presente artigo como a propaganda se apropria da arte para atribuir qualidades que venham tornar atrativo determinado objeto para o consumo junto ao público.
           Os objetos artísticos que serão tratados aqui são dois: a propaganda e a forma artística de Pablo Picasso e os argumentos utilizados pela propaganda são que para um automóvel vender satisfatoriamente bem, necessita de agregar certos valores que vão além de qualidades mecânicas e funcionais, mas que também possua um diferencial com relação, por exemplo, ao seu desenho (forma da carroceria) e que remeta esse diferencial a um valor, (mesmo que subjetivo) relacionado com a beleza e exclusividade de uma obra de arte concebida por um determinado artista conceituado. Portanto se uma obra de arte de Pablo Picasso possui um valor estético desejável e exclusivo, reconhecido mundialmente, o automóvel Citroen Picasso, que leva o sobrenome do artista, também (sob o viés da propaganda) compartilhará de tais méritos.
           Palavras-Chaves: Qualidades Artísticas, Automóvel, Propaganda, Consumo.



  
À medida que novas tecnologias são empregadas na elaboração de objetos de consumo, ainda há uma evidente apropriação de alguma forma artística que tem a clara intenção de convencer o consumidor de que ao adquirir determinada marca de um produto como automóvel, por exemplo, não estará apenas adquirindo o (produto) automóvel, mas o status artístico que confere sua marca.
 Partindo desta premissa, noto que a cultura do consumismo é a divulgação intensa propagada pelos meios de comunicação que ditam preceitos sobre o que é desejável em determinado artigo ou objeto e quais as suas vantagens em adquiri-lo, pois o caso demonstrado aqui referente ao automóvel Citroen Picasso, traz em sua propaganda, que além de econômico ao usar combustível, possui linhas aerodinâmicas modernas e exclusivas e que devido a essas qualidades é interessante para o público comprar esse automóvel.  
Esses produtos consumíveis podem inserir como estratégia da propaganda, em objetos e ou artigos industrializados, elementos de qualidade humana, isto é, acabam adquirindo adjetivação humana (bonito, sofisticado, inteligente, arrojado...) e características artísticas de determinado personagem famoso, como notadamente ocorreu recentemente e amplamente divulgado nos meios de comunicação, principalmente televisão e revistas nas campanhas publicitárias da Citroen, fabricante de automóveis de luxo, que divulgou um modelo “inspirado” nas linhas artísticas de Pablo Picasso (1881 -1973).   
Percebo que esta relação estética – artística entre objeto e arte, ou seja, a apropriação de elementos característicos de uma obra artística para um objeto de consumo é demonstrada claramente por Edgar Morin (1967, p.81): “A participação estética se diferencia das participações práticas, técnicas, religiosas,... se bem que possa se justapor a elas: um automóvel pode ser ao mesmo tempo bonito e útil...”.
Sob o olhar artístico que se funde entre o artista (Picasso), suas obras e seu estilo de vida ,reconhecidamente de vanguarda  e o objeto (automóvel) , percebo que há uma intencionalidade da propaganda em apropriar essas idéias e características artísticas para  dar uma autoridade, uma espécie de assinatura atestando essas mesmas qualidades como sendo intrínsecas ao objeto. Senão, vejamos: A mídia da propaganda ao lançar, no caso o automóvel da marca Picasso, enfatiza suas linhas estéticas arrojadas, fora do padrão comum dos outros automóveis, sua velocidade nas estradas e o impacto visual que este causa ao passar em ruas e estradas...
Pois bem, essas características atribuídas ao automóvel (desenho com linhas arrojadas, impacto visual e estilo diferenciado) são derivadas das características das pinturas e esculturas de Pablo Picasso, que já era considerado um artista de vanguarda em sua época, é ainda cultuado, como se pode verificar, por exemplo, na exposição no museu de Málaga, na Espanha que reúne entre outras obras, esculturas deste artista que enfatizam seu estilo moderno e inovador.
Percebo que essas adjetivações artísticas apropriadas pela propaganda para inserirem-na em objetos industrializados, como um automóvel, com o objetivo de transferir essas qualidades ao público consumidor, através da aquisição de determinado produto, como exemplo, o automóvel Citroen Picasso, está em concordância com as palavras de Morin (1967, p.109):
É uma imagem da vida desejável, o modelo de um estilo de vida... Essa imagem é ao mesmo tempo, hedonista e idealista; ela se constrói, por um lado, com os produtos industriais de consumo e por outro lado, com a representação das aspirações privadas – o amor, o êxito pessoal e a felicidade.
     
É notório, ainda utilizando a propaganda do automóvel Citroen Picasso como exemplo, que esta imagem de felicidade e êxito pessoal é compartilhada também por um grupo social - a família-, fugindo um pouco da individualização da posse isto é, a propaganda quer enfatizar que o consumidor, ao adquirir o automóvel Citroen Picasso, estará compartilhando com outras pessoas, da felicidade e bem estar devido ao automóvel que é , segundo intencionalidade da propaganda, agregado com elementos artísticos de Picasso, pois perceba que um dos muitos vídeos dessa propaganda na França quando do lançamento do Citroen Picasso, mostram, entre outras qualidades do automóvel, a sensação de bem estar familiar atreladas ao carro.
Reforço essa idéia de apropriação artística pela propaganda com o objetivo de personificação (e, portanto, com forte adjetivação humana) em objetos de consumo através de observações a respeito do fetichismo da mercadoria notado com muita propriedade por Karl Marx:
... A forma da madeira é alterada ao fazer-se dela uma mesa. Contudo, a mesa continua a ser madeira, uma coisa vulgar, material. Mas a partir do momento em que surgem como mercadoria, as coisas mudam completamente de figura: transforma-se numa coisa a um tempo palpável e impalpável. Não se limita a ter os pés no chão, apresenta-se de cabeça para baixo e dela saem caprichos mais fantásticos do que se ela começasse a dançar.

Veja bem que, utilizando dessa análise de Marx, posso traçar alguma ambivalência com a transformação de um objeto por si inanimado (carro), tendo após o trabalho publicitário da propaganda, adquirido fantásticas qualidades tiradas dos traços e formas de uma obra de arte. 
Nestes parâmetros utilizados pela propaganda, perceba que existe uma tendência em atribuir e exaltar as qualidades não apenas mecânicas do objeto (automóvel), mas também de vincular sua imagem à do artista (Pablo Picasso), pois note que o objeto tenta pela propaganda se apropriar do valor intrínseco de uma obra de arte de um famoso artista, através de suas linhas e até da forma da escrita (logo) da marca, que é o mesmo da assinatura de Pablo Picasso, conferindo, portanto, a idéia para o consumidor de que não estará apenas comprando um automóvel com um propósito meramente utilitário, mas que está adquirindo algo que é também pela intencionalidade da propaganda, uma obra artística e exclusiva, como se fosse realmente algo produzido pelo próprio Picasso (afinal de contas ,assim como ter esse carro e um quadro de Pablo Picasso não é exclusivo para a maioria dos mortais) e que por isto justifique até seu preço, pois se trata também de uma série especial que a Citroen irá produzir por um curto espaço de tempo.
A conclusão que posso chegar sobre o tema apresentado é de que movida por interesses que atendam as metas de vendas de determinado bem de consumo, as indústrias, valendo-se das agências publicitárias das propagandas, que também querem obter mais capitais e lucro através de seus serviços publicitários, não faz por menos ao utilizar características artísticas de determinado pintor, escultor, músico,... como sendo características natas a determinado bem de consumo e , com isso ,despertar o interesse do público para um objeto que , pela criatividade, ainda e mesmo que por vezes de duvidosa qualidade, as propagandas tornam determinado objeto de consumo tão exclusivo quanto uma obre de arte ,esquecendo-se aqui , o propósito meramente utilitário de um automóvel por exemplo, mas que agora o que  está em jogo é conseguir, ( e isto não é explícito sobre nenhum pretexto) , essencialmente para o aumento do prestígio de determinado fabricante frente ao mercado consumidor e consequentemente o incremento das vendas de seus produtos e / ou bens de consumo.
         

Bibliografia

MARX, Karl: O Capital. Secção 4 - O Fetichismo da Mercadoria e o Seu Segredo.   Centelha - Promoção do Livro, SARL, Coimbra, 1974.
MORIN, Edgar: Cultura de Massas no Século XX.  1 Edição Brasileira Forense , São Paulo,1967
Infografia:

Título: Mostra traz brinquedos de Picasso e outros artistas de vanguarda. Disponível em:http://entretenimento.uol.com.br/ultnot/bbc/2010/08/17/mostra-traz-brinquedos-de-picasso-e-outros-artistas-de-vanguarda.jhtm

Título: O Capital – Volume 1- 1867.Disponível em:http://www.marxists.org/portugues/marx/1867/ocapital-v1/index.htm
Título: Citroen Grand C4 Picasso. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=GfZpW0eb4qk

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