segunda-feira, 4 de julho de 2011

Por que esconder nosso passado?


Sinto-me sempre honrada quando um pesquisador, poeta e/ou cidadão permite-me publicar seu texto neste blog. Desta vez, tive o privilégio de receber o texto do Prof. Vlamir, de um amigo nosso em comum. E ele, generosamente me permitiu publicá-lo neste blog. O Prof. Vlamir transita por diferentes áreas. É graduado em Direito e em Tecnologia em Microprocessadores e Automação Industrial e é especialista em Softwares de  Microcomputadores. Mas sabe que nenhuma área esta desprovida de sua integração num contexto social. Este texto, com o qual nos brinda, mostra sua inquietação como pensador. Aproveitem! E se quiserem complementar estas reflexões, indico-lhes o texto de Thiago Fijos, também presente neste blog.
Por que esconder nosso passado?
Vlamir Belfante
Lendo o Diário do grande ABC, recebi de forma muito negativa a notícia no caderno Política, 7, de 28/06/2011, com o título “Papéis da ditadura desapareceram”.
O prejuízo a todos nós brasileiros é incomensurável.
Mais do que a cúpula política que deseja esconder nosso passado, não tão recente, de um Brasil diferente do que se mostra hoje, deve ser manifestada e feita a vontade de milhões de brasileiros na busca da verdade e da nossa identidade. Portanto, acredito não estar sozinho, mas apoiado por outras tantas manifestações que devem surgir para mudarmos os rumos dessa atitude vergonhosa de alguns dos nossos representantes.
Fiquei estarrecido com a citação da Guerra do Paraguai, assunto que muito nos interessa, pois além de professor universitário, sou graduado em capoeira, e na minha formação, abarco quando ensino aos nossos alunos, aspectos históricos sobre o tema e aí temos uma grande lacuna, pois algumas bibliografias citam os negros, escravos na época, como que recrutados para representar o Brasil nessa guerra.
Nestor Capoeira, em O Pequeno Manual do Jogador, na 6ª edição, em 2001, pela Editora Record, traz na página 42 que “Em 1865, o Brasil, juntamente com a Argentina e o Uruguai, entrou em guerra contra o Paraguai. A guerra foi “patrocinada” pela Inglaterra – que na época era o que os Estados Unidos são hoje -, que não via com bons olhos a economia autônoma do Paraguai. O exército brasileiro formou batalhões de capoeiras , tendo muitos sido agarrados à força nas ruas do Rio; aos escravos capoeiras foi prometida a liberdade no final do conflito. Os capoeiristas do Batalhão de Zuavos, especialistas em tomar as trincheiras inimigas na base da arma branca, fizeram misérias na Guerra do Paraguai, e cinco anos depois os que sobreviveram voltaram como heróis. Muitas dessas feras, agora transformadas em “heróis”, engrossaram as fileiras dos Guaiamus e Nagoas.”
Por outro lado, Almir das Areias em O que é Capoeira, da Ed. Brasiliense,  2ª Ed., p. 34 traz que em 1828, “a Coroa se viu na contingência de contratar estrangeiros para engrossarem as fileiras do Exército Brasileiro, contratando elementos da Irlanda, Alemanha e Inglaterra. Desse contingente, uma parte seguiu para o Rio Grande do Sul e outra ficou aquartelada no Rio de Janeiro. Aconteceu, entretanto, que esses batalhões estavam tremendamente descontentes com o governo, e a todo instante davam prova disso praticando atos de indisciplina. Assim, o comandante do batalhão alemão mandou que se castigassem alguns soldados. O resultado, porém, foi que a 9 de junho eles se rebelaram, prenderam o major e saíram armados às ruas, matando, devastando e saqueando tudo, a eles se incorporando os outros contingentes estrangeiros.
Pois bem, em toda essa inquietação e balbúrdia tiveram papel de relevante importância os tão combatidos capoeiras, pois como nos descreve J. M. Pereira Silva, os sublevados foram “atacados por magotes de pretos denominados capoeiras, travando com eles combates mortíferos. Posto que armados com espingardas não puderam resistir-lhes com êxito feliz, e apedra, a pau, à força de braços, caíram os estrangeiros pelas ruas e praças públicas, ferindo grande parte e bastantes sem vida.
Como vimos, os capoeiras, de perseguidos e tachados como o terrror e vergonha da civilização, passaram então a ser vistos “numa luta meritória” e assinalados na história como “heróis nacionais”.
 Ainda citam que quem de fato deveriam ir para os campos de batalha, desistiram na última hora. Daí ser a capoeira, além de esporte, cultura brasileira, arte, também arte marcial (arte de guerra).
         O prejuízo é de toda a sociedade que depende dos esclarecimentos do passado para construir um futuro melhor, corrigindo eventuais falhas e se espelhando nas virtudes anteriores.
         Não bastassem os documentos que foram extintos pelos políticos daquela época, deixando grande lacuna na história, o fato pode se repetir, se já não se repetiu, é deveras vergonhoso. Com certeza, há uma grande mazela junto aos historiadores, professores de história e simpatizantes pelo tema, que almejam esclarecimentos. Almir das Areias, já citado, em seu livro, p. 21, nos revela: “...Outro ponto que dificulta  o esclarecimento dessas questões é o fato, ridículo, da figura do nosso “ilustre Rui Barbosa”, o “Águia de Haia”, ter queimado todos os documentos referentes à escravidão, na alegação de que tais documentos eram retratos da “vergonha nacional” que a escravidão tinha sido”...
         Será que tais atos devem se repetir? Será que esconder por décadas, quando não, mais tempo, documentos de importância a todos os cidadãos brasileiros não equivale aos desfeitos de Rui Barbosa?
         Será que a segurança nacional seria tão afetada assim? Ou seria a segurança da vida pessoal de alguns políticos inescrupulosos?
         Será que já não se exauriram tantos fatos indesejáveis ocorridos na época dos ex-presidentes José Sarney e Fernando Collor? Ainda mantém-se no poder e influenciam significativamente para obscurecer a verdade, e com respaldo da sociedade? Não consigo compreender. Me questiono se são tantos assim os interessados em mascarar nossa realidade? Fico na dúvida.
         Acreditando estar vivendo em uma sociedade onde a democracia plena deve se mostrar satisfatoriamente e inspirar confiança a todos, acredito que não seja demais exigir ao poder público, atitudes condizentes como representantes do país, merecedores de nossa confiança e respeito, que possam nos dar exemplos diante de fatos abomináveis que causam repulsa a todos.
         Faço de antemão um apelo ao judiciário, ao MP e a OAB, inicialmente, e outros representantes efetivos de nossa sociedade, que se manifestem, buscando esclarecer fatos, buscando a verdade, em nome de todos nós brasileiros, sempre por um país mais digno.

Vlamir Belfante
Professor universitário
Bacharel em direito
Graduado Alemão – Guerreiros da Ilha

Sinto-me sempre honrada quando um pesquisador, poeta e/ou cidadão permite-me publicar seu texto neste blog. Desta vez, tive o privilégio de receber o texto do Prof. Vlamir, de um amigo nosso em comum. E ele, generosamente me permitiu publicá-lo neste blog. O Prof. Vlamir transita por diferentes áreas. É graduado em Direito e em Tecnologia em Microprocessadores e Automação Industrial e é especialista em Softwares de  Microcomputadores. Mas sabe que nenhuma área esta desprovida de sua integração num contexto social. Este texto, com o qual nos brinda, mostra sua inquietação como pensador. Aproveitem! E se quiserem complementar estas reflexões, indico-lhes o texto de Thiago Fijos, também presente neste blog.

quinta-feira, 31 de março de 2011

A apropriação da propaganda sobre a arte e a personificação de um objeto de consumo

Nem sempre um tema de pesquisa vem fácil. Algumas vezes brigamos com ele, moldamo-o dentro de nós até ele sair. O artigo que Vicente Sinato Filho compartilha conosco foi o resultado desta briga. E quem ganha somos nós´por poder ler as reflexões que dela surgiram.

A  apropriação da propaganda sobre a arte e a  personificação  de um objeto de consumo

Vicente Sinato Filho

           Resumo: Pretende-se mostrar no presente artigo como a propaganda se apropria da arte para atribuir qualidades que venham tornar atrativo determinado objeto para o consumo junto ao público.
           Os objetos artísticos que serão tratados aqui são dois: a propaganda e a forma artística de Pablo Picasso e os argumentos utilizados pela propaganda são que para um automóvel vender satisfatoriamente bem, necessita de agregar certos valores que vão além de qualidades mecânicas e funcionais, mas que também possua um diferencial com relação, por exemplo, ao seu desenho (forma da carroceria) e que remeta esse diferencial a um valor, (mesmo que subjetivo) relacionado com a beleza e exclusividade de uma obra de arte concebida por um determinado artista conceituado. Portanto se uma obra de arte de Pablo Picasso possui um valor estético desejável e exclusivo, reconhecido mundialmente, o automóvel Citroen Picasso, que leva o sobrenome do artista, também (sob o viés da propaganda) compartilhará de tais méritos.
           Palavras-Chaves: Qualidades Artísticas, Automóvel, Propaganda, Consumo.



  
À medida que novas tecnologias são empregadas na elaboração de objetos de consumo, ainda há uma evidente apropriação de alguma forma artística que tem a clara intenção de convencer o consumidor de que ao adquirir determinada marca de um produto como automóvel, por exemplo, não estará apenas adquirindo o (produto) automóvel, mas o status artístico que confere sua marca.
 Partindo desta premissa, noto que a cultura do consumismo é a divulgação intensa propagada pelos meios de comunicação que ditam preceitos sobre o que é desejável em determinado artigo ou objeto e quais as suas vantagens em adquiri-lo, pois o caso demonstrado aqui referente ao automóvel Citroen Picasso, traz em sua propaganda, que além de econômico ao usar combustível, possui linhas aerodinâmicas modernas e exclusivas e que devido a essas qualidades é interessante para o público comprar esse automóvel.  
Esses produtos consumíveis podem inserir como estratégia da propaganda, em objetos e ou artigos industrializados, elementos de qualidade humana, isto é, acabam adquirindo adjetivação humana (bonito, sofisticado, inteligente, arrojado...) e características artísticas de determinado personagem famoso, como notadamente ocorreu recentemente e amplamente divulgado nos meios de comunicação, principalmente televisão e revistas nas campanhas publicitárias da Citroen, fabricante de automóveis de luxo, que divulgou um modelo “inspirado” nas linhas artísticas de Pablo Picasso (1881 -1973).   
Percebo que esta relação estética – artística entre objeto e arte, ou seja, a apropriação de elementos característicos de uma obra artística para um objeto de consumo é demonstrada claramente por Edgar Morin (1967, p.81): “A participação estética se diferencia das participações práticas, técnicas, religiosas,... se bem que possa se justapor a elas: um automóvel pode ser ao mesmo tempo bonito e útil...”.
Sob o olhar artístico que se funde entre o artista (Picasso), suas obras e seu estilo de vida ,reconhecidamente de vanguarda  e o objeto (automóvel) , percebo que há uma intencionalidade da propaganda em apropriar essas idéias e características artísticas para  dar uma autoridade, uma espécie de assinatura atestando essas mesmas qualidades como sendo intrínsecas ao objeto. Senão, vejamos: A mídia da propaganda ao lançar, no caso o automóvel da marca Picasso, enfatiza suas linhas estéticas arrojadas, fora do padrão comum dos outros automóveis, sua velocidade nas estradas e o impacto visual que este causa ao passar em ruas e estradas...
Pois bem, essas características atribuídas ao automóvel (desenho com linhas arrojadas, impacto visual e estilo diferenciado) são derivadas das características das pinturas e esculturas de Pablo Picasso, que já era considerado um artista de vanguarda em sua época, é ainda cultuado, como se pode verificar, por exemplo, na exposição no museu de Málaga, na Espanha que reúne entre outras obras, esculturas deste artista que enfatizam seu estilo moderno e inovador.
Percebo que essas adjetivações artísticas apropriadas pela propaganda para inserirem-na em objetos industrializados, como um automóvel, com o objetivo de transferir essas qualidades ao público consumidor, através da aquisição de determinado produto, como exemplo, o automóvel Citroen Picasso, está em concordância com as palavras de Morin (1967, p.109):
É uma imagem da vida desejável, o modelo de um estilo de vida... Essa imagem é ao mesmo tempo, hedonista e idealista; ela se constrói, por um lado, com os produtos industriais de consumo e por outro lado, com a representação das aspirações privadas – o amor, o êxito pessoal e a felicidade.
     
É notório, ainda utilizando a propaganda do automóvel Citroen Picasso como exemplo, que esta imagem de felicidade e êxito pessoal é compartilhada também por um grupo social - a família-, fugindo um pouco da individualização da posse isto é, a propaganda quer enfatizar que o consumidor, ao adquirir o automóvel Citroen Picasso, estará compartilhando com outras pessoas, da felicidade e bem estar devido ao automóvel que é , segundo intencionalidade da propaganda, agregado com elementos artísticos de Picasso, pois perceba que um dos muitos vídeos dessa propaganda na França quando do lançamento do Citroen Picasso, mostram, entre outras qualidades do automóvel, a sensação de bem estar familiar atreladas ao carro.
Reforço essa idéia de apropriação artística pela propaganda com o objetivo de personificação (e, portanto, com forte adjetivação humana) em objetos de consumo através de observações a respeito do fetichismo da mercadoria notado com muita propriedade por Karl Marx:
... A forma da madeira é alterada ao fazer-se dela uma mesa. Contudo, a mesa continua a ser madeira, uma coisa vulgar, material. Mas a partir do momento em que surgem como mercadoria, as coisas mudam completamente de figura: transforma-se numa coisa a um tempo palpável e impalpável. Não se limita a ter os pés no chão, apresenta-se de cabeça para baixo e dela saem caprichos mais fantásticos do que se ela começasse a dançar.

Veja bem que, utilizando dessa análise de Marx, posso traçar alguma ambivalência com a transformação de um objeto por si inanimado (carro), tendo após o trabalho publicitário da propaganda, adquirido fantásticas qualidades tiradas dos traços e formas de uma obra de arte. 
Nestes parâmetros utilizados pela propaganda, perceba que existe uma tendência em atribuir e exaltar as qualidades não apenas mecânicas do objeto (automóvel), mas também de vincular sua imagem à do artista (Pablo Picasso), pois note que o objeto tenta pela propaganda se apropriar do valor intrínseco de uma obra de arte de um famoso artista, através de suas linhas e até da forma da escrita (logo) da marca, que é o mesmo da assinatura de Pablo Picasso, conferindo, portanto, a idéia para o consumidor de que não estará apenas comprando um automóvel com um propósito meramente utilitário, mas que está adquirindo algo que é também pela intencionalidade da propaganda, uma obra artística e exclusiva, como se fosse realmente algo produzido pelo próprio Picasso (afinal de contas ,assim como ter esse carro e um quadro de Pablo Picasso não é exclusivo para a maioria dos mortais) e que por isto justifique até seu preço, pois se trata também de uma série especial que a Citroen irá produzir por um curto espaço de tempo.
A conclusão que posso chegar sobre o tema apresentado é de que movida por interesses que atendam as metas de vendas de determinado bem de consumo, as indústrias, valendo-se das agências publicitárias das propagandas, que também querem obter mais capitais e lucro através de seus serviços publicitários, não faz por menos ao utilizar características artísticas de determinado pintor, escultor, músico,... como sendo características natas a determinado bem de consumo e , com isso ,despertar o interesse do público para um objeto que , pela criatividade, ainda e mesmo que por vezes de duvidosa qualidade, as propagandas tornam determinado objeto de consumo tão exclusivo quanto uma obre de arte ,esquecendo-se aqui , o propósito meramente utilitário de um automóvel por exemplo, mas que agora o que  está em jogo é conseguir, ( e isto não é explícito sobre nenhum pretexto) , essencialmente para o aumento do prestígio de determinado fabricante frente ao mercado consumidor e consequentemente o incremento das vendas de seus produtos e / ou bens de consumo.
         

Bibliografia

MARX, Karl: O Capital. Secção 4 - O Fetichismo da Mercadoria e o Seu Segredo.   Centelha - Promoção do Livro, SARL, Coimbra, 1974.
MORIN, Edgar: Cultura de Massas no Século XX.  1 Edição Brasileira Forense , São Paulo,1967
Infografia:

Título: Mostra traz brinquedos de Picasso e outros artistas de vanguarda. Disponível em:http://entretenimento.uol.com.br/ultnot/bbc/2010/08/17/mostra-traz-brinquedos-de-picasso-e-outros-artistas-de-vanguarda.jhtm

Título: O Capital – Volume 1- 1867.Disponível em:http://www.marxists.org/portugues/marx/1867/ocapital-v1/index.htm
Título: Citroen Grand C4 Picasso. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=GfZpW0eb4qk

Vidas secas dos retirantes

Queridos e queridas,
Sabe quando temos um tema de pesquisa dentro de nós e ele conversa conosco até sair, aos poucos, amadurecendo e descobrimos que somos mais felizes com ele? Pois é, Carlos Alberto Maia descobriu um destes temas...que fala de sua história, de sua alma. E compartilha conosco o artigo que produziu. Boa leitura!

VIDAS SECAS DOS RETIRANTES: Uma questão de Governo
                                                                                              CARLOS ALBERTO MAIA
RESUMO
Com este tema - tão abrangente e insolúvel ao mesmo tempo – o artigo traz a proposta de discussão deste assunto partindo de duas fontes de pesquisas inspiradas na seca do nordeste brasileiro. A primeira fonte trata-se da obra de Graciliano Ramos intitulada “Vidas Secas”. A segunda fonte de pesquisa é um quadro de Candido Portinari intitulado “Os Retirantes”, praticamente uma imagem falada da obra escrita por Graciliano Ramos. Neste sentido as obras se relacionam, e é nesta comunicação que pretendo traçar um fio condutor entre estas duas obras, falando das condições gerais da população brasileira no tocante á seca, onde se vêem bairros inteiros em condições de perigo com relação á falta de água e a ação desastrosa do governo, sempre propondo o paliativo como solução para a dor de uma grande multidão que só queria ser reconhecida como cidadão brasileiro, como os mesmos direitos e obrigações.
PALAVRAS CHAVES: Vidas Secas, retirantes, falta de água, descaso, governo.
VIDAS SECAS DOS RETIRANTES: Uma questão de Governo
Nas condições atuais de nosso planeta, a falta de água é algo inevitável para dias futuros. O problema da numerosa população terrena contrastando com a quantidade ínfima de água doce disponível no eco-sistema são preocupantes.  Essa é uma realidade que há muito tempo assola as multidões, sempre suscitando discussões e previsões, as mais apocalípticas possíveis. E em um curto espaço de tempo estamos fadados a graves aborrecimentos, incluindo-se aí grandes massas de migrações brasileiras e mundiais. Estas
 migrações brasileiras, vistas pelo ângulo da sua causa, são verdadeiras migrações forçadas, provocadas pelo fato de que o jogo do mercado não encontra qualquer contrapeso nos direitos dos cidadãos. São freqüentes as migrações ligadas ao consumo e a inacessibilidade a bens e serviços essenciais. (SANTOS, 1993, p. 44)
O Governo não tem uma política eficaz para resolver o problema na sua raiz. O descaso, a corrupção, a falta de um reconhecimento igualitário do povo, são aspectos que prevalessem na hora de emitir uma ajuda eficaz a um povo mais distante dos grandes centros urbanos. Principalmente quando, dentro desta visão de mundo, existem ingredientes envolvendo distinção de classe social, pré-conceito e discriminação. Neste sentido o Governo nem vai lá, de longe estuda qual a melhor saída, qual a menos onerosa. É como se os gritos de desespero do povo local “não encontrassem eco na capital federal”. (VILLA, 2000, P.106)
Atualmente a migração não é conseqüência de uma escolha livre, mas tem uma raiz claramente compulsória. A maioria dos migrantes é impelida a abandonar a própria terra ou o próprio bairro, buscando melhores condições de vida e fugindo de situações de violência estrutural e doméstica. Este é um grande desafio, pois migrar é um direito humano, mas fazer migrar é uma violação dos direitos humanos. (MARINUCI apud ROCHA NETO, 2006, p. 22). [1]  

O ato de migrar sem apoio de ninguém, antes por força da sobrevivência, está estampado na obra de Graciliano Ramos e muito clara no quadro de Portinari, quando se lê e visualiza a condição do despreparo, do abandono, da tristeza e da dor de não ter o que fazer, ou para onde ir, salvo esperar a morte em sofrimentos atrozes. Além de tudo isto, existe o fato do povo ser tirado da sua terra natal nas piores condições de sobrevivência, e com um mínimo de confiança de um dia voltar e refazer a vida com os seus na terra natal. É como canta Luiz Gonzaga na sua bela música: A Triste Partida.[2]

Se o nosso destino
Não for tão mesquinho
Ai pro mesmo cantinho
Nós torna a voltar

No caso dos nordestinos, foi a saída que o governo achou - talvez a mais barata e menos comprometedora das divisas do país -, visto que “o governo, a igreja e os grandes proprietários e comerciantes não desejavam partilhar seus recursos socorrendo os milhares de retirantes; a emigração pareceu como uma solução”. (VILLA, 2000, P.57). Acharam melhor mandar para outra região onde muitos deles não voltaram mais, como canta o refrão da música de Luiz Gonzaga.[3]
Faz pena o nortista
Tão forte, tão bravo
Viver como escravo
No Norte e no Sul

Sendo assim, a tragédia já está desenhada. Em uma seca de grandes proporções, com falta de água generalizada, como a de 1877-1879, não haveria assistência eficaz para todos. Mesmo nos nossos dias, com um governo supostamente popular a falta de água generalizada causaria um movimento assustador de pessoas no campo e na cidade. O desespero com a falta de água é algo que muitos de nós ainda não experimentamos; o fato de ver a necessidade dentro de casa, sem poder fazer nada, obrigando-nos a partir sem saber para onde ir, é um espectro terribilíssimo que ameaça cada habitante da face da terra a médio e longo prazo.
Um outro quadro de Candido Portinari, intitulado “Criança Morta”, (também em anexo nesta edição),  traz muito bem essa dor do desespero; o fato de se perder uma criança dentro de casa ou em uma retirada, massacrada pela sede e pela fome é desolador. Antonio Gonçalves da Silva, mais conhecido como Patativa do Assaré, em morte de Nãnã dizia que “Na sua pequena boca, eu via o lábio tremendo, e naquela aflição louca, e também reconhecendo que a vida tava no fim foi regalando pra mim os tristes olhinhos seus, ai, ai, ai e disse: Bença Papai. Fechou os olhos e morreu”.[4]
É a tristeza que afeta o mais pobre da terra; só quem está imune a isto é uma classe rica, com condições financeiras para mudar de região sem dificuldades. Todavia o egoísmo não deixa que essa classe dominante veja mais ninguém, só pensando nela própria. O próprio Papativa do Assaré diz que “Vendo que não tinha inverno, o meu patrão, um tirano, sem temer a Deus nem o inferno, me deixou no desengano sem nada mais me arranjar” [5]. É a dor do nordestino abandonado na sua sorte, sem ter pra quem recorrer a não ser para Deus.
Esse abandono a própria sorte está estampado na obra de Graciliano Ramos, uma família de retirantes constituída de quatro pessoas e um animal, o retrato do desprezo da sociedade “abandonados pelo poder público, tentavam encontrar por si só, se não a solução para os seus problemas, ao menos formas de minorar os sofrimentos”. (VILLA, 2007, p. 178), fugindo com desespero gerado pela fome e pela sede e pelo cansaço; mesma impressão presente no quadro de Candido Portinari, cujo espectro da morte está tão presente
No céu, percebemos uma grande quantidade de pássaros que foram retratados num céu bastante azul. Estes pássaros foram pintados de preto, certamente com uma finalidade de retratação da morte, lembrados pela presença dos urubus, (...) que sorrateiramente aguardam a hora de se aproveitarem daqueles que não resistem mais e morrem. Percebemos também uma alusão alegórica à morte no encontro de uma destas aves com o cajado do personagem mais velho da composição, formando a conhecida foice que representa a presença desta que ceifa a vida. (ROCHA NETO, 2006, P. 36)[6]

Com o passar dos dias, ”os sertanejos que olhavam o nascer do sol baixavam a vista, alguns chorando a sua sentença de morte”. (VILLA, 2000, P. 45). Estas condições favorecem os atos desesperadores. A população não vendo saída ou atitude do governo movem-se de forma desorganizada, “famílias inteiras mortas, estradas juncadas de cadáveres, povoações abandonadas, lares destruídos, a capital e as cidades cheias de famintos. (VILLA, 2000, P.106). O governo, por sua vez indiferente, achando que era um mal passageiro e que logo tudo voltaria á normalidade,
Percebe-se na fala de Marco Antonio Villa, que este descaso para com os pobres é uma marca do Brasil. O que aconteceu no final do século XIX e no século XX com o nordestino referente a seca, é o mesmo que acontece hoje em pleno século XXI em algumas regiões como Rio de Janeiro e São Paulo, que o governo leva mais tempo tentando explicar o inexplicável do que tomando atitudes acertadas para resolver os problemas de forma definitivamente. O interessante é achar o culpado, o bode expiatório, aquele que será usado pela classe dominante para desviar de si a atenção da mídia e dos jornais. A solução dos problemas sociais, principalmente quando envolvem: Moradia, condição social, reforma agrária, desemprego e falta de água, tem que esperar; não será resolvido prontamente, mesmo porque “o governo ouve o grito das vítimas e constata a sua impotência para acudi-las”. (VILLA, 2000, P. 123)
Os problemas existem, a desigualdades são históricas; o Brasil é um dos países com a pior distribuição de renda entre os cidadãos e com certeza a prioridade da elite brasileira difere da prioridade da classe baixa, onde os problemas são básicos
Há desigualdades sociais que são, em primeiro lugar, desigualdades territoriais, por que derivam do lugar onde cada qual se encontra. A república somente será realmente democrática quando considerar todos os cidadãos como iguais, independente do lugar onde estejam. (SANTOS, 1993, p. 123)
Os interesses não são os mesmos para todos. Enquanto o homem rico está preocupado com água para encher sua piscina residencial, o pobre da região de Carapicuíba[7] sofre com a constante falta de água para tomar banho e fazer comida. É o caos, e depende muito do lugar que cada um está nesta sociedade que prioriza quem tem dinheiro e joga ao abandono, ao ostracismo aqueles que não têm para onde ir.

CONSIDERAÇÕES FINAIS.
Este artigo trouxe o problema da falta de água, da seca, que primeiro flagelou os nordestinos obrigando-os as migrações atrozes. O problema estampado nas duas obras é justamente a desigualdade territorial, quando a união, o governo, deveria considerar todos iguais, mas parece que alguns são mais iguais do que outros.
Tanto no texto de Marco Antonio Villa (2000) quanto no texto de Milton Santos (1993) os problemas estão na desigualdade social; o problema é ser nordestino, é estar mal localizado, é não ter educação; mas sabemos que mesmo em São Paulo ou Rio de Janeiro temos os escolhidos, uma pequena elite que escapará seja qual for a catástrofe. Os escolhidos serão eleitos pelos recursos que tem; o capitalismo é assim mesmo: patrão de um lado e empregado do outro; e as condições financeiras determinam quem deve escapar e quem deve morrer.
Este artigo não pretende esgotar o assunto, mas quando teremos água para todos? Falo primeiro do Brasil, para depois falar do mundo. Até quando aqueles que não têm água suficiente para viver ficarão quietos em seus lugares padecendo necessidades atrozes, sem buscar retirada para este ou para aquele continente? Tenho para mim que muito em breve a luta não será mais por petróleo, e sim pela água e o Brasil sempre foi a menina dos olhos de quem sonha em ter água para vender e negociar, uma elite internacional poderosa que muitas vezes considera a América Latina como quintal de sua casa[8] ou dizem que se os países sub-desenvolvidos não tem dinheiro para pagar as suas dívidas, devem pagar com os recursos que tem[9].

Referência Bibliográfica.

RAMOS, Graciliano. Vidas secas. 109. Ed. Rio de Janeiro: Record, 2009
SANTOS, Milton. O espaço do cidadão. 2. Ed. São Paulo, 1993.
VILLA, Marco Antonio. Vida e Morte no Sertão: Histórias das secas no nordeste nos séculos XIX e XX. 1ª Ed. São Paulo, Ática, 2000.
ASSARÉ, Patativa do. A morte de Nãnã. Disponível em Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=cWD0YoweNy4: acessado em 12/03/2011
GONZAGA, Luis. A triste Partida. Disponível em Disponível: \Documents and Settings\Usuario\Meus documentos\Professora Angélica\ARTIGO OFICIAL\Textos WEB\A TRISTE PARTIDA - LUÍZ GONZAGA (letra e vídeo).mht, acesso em 12/03/2011

MARINUCCI, Roberto. O fenômeno Migratório no Brasil. Disponível em Disponível em: <http://www.migrante.org.br/ofenomenomigratorioparaobrasil.doc>. Acesso em: 12 Mar. 2011.

ROCHA NETO, Manuel Alves da.  Possibilidades de leitura na Obra: “Retirantes” de Cândido Portinari. UBERLÂNDIA – MG. 2006. Disponível em 12/03/2011.



12 Mar. 2011.
[2] Disponível em http://letras.terra.com.br/luiz-gonzaga/82378/ acessado em 16/03/2011.
[3] Idem
[4] Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=cWD0YoweNy4: acessado em 12/03/2011
[5] Idem
[6] Disponível em HTTP://www.migrante.org.br acesso em 12/03/2009. Pesquisando no Google como: Migrante o fenômeno migratório para o Brasil, é possível ter acesso a uma cópia deste artigo do Marinucci que foi citado no artigo do Professor Manoel Alves da Rocha Neto em descreve com maestria a obra “Os Retirantes” de Portinari.
[8] Expressão muitas vezes usadas pelos norte americanos mas que achei disponível em http://primeirocontramare.blogspot.com/2005/04/amrica-latina-quintal-dos-eua.html para servir de exemplo. Acesso em 15/03/2011.
[9] Expressão usada pela Rainha da Inglaterra referindo-se ao Brasil e sua floresta amazônica.

Prosa legionária

Queridos e queridas,
Recebi um presente neste ano. Comecei a lecionar num curso de pós-graduação em que me couber compartilhar com os alunos Intersecções entre Arte e História. E foi numa desta noites de quinta-feira que conheci um aluno apaixonado por música. Ele encaminhou-me um texto que permitiu que compartilhasse com vocês. Aproveitem!

UMA PROSA LEGIONÁRIA
Juscelino Neto

            Ainda é Cedo para terminar, talvez Antes das Seis seria o ideal. Não foi Tempo Perdido o período que passei com você. Eu Sei que Quando o Sol Bater na Janela do Seu Quarto será Um Dia Perfeito, sem chuva forte ou frio em demasia.
            Vinte e Nove, apenas de quatro em quatro anos o mês de fevereiro conta este número de dias. Será que consigo lembrar disto a minha vida inteira? As lágrimas que caíram dos meus olhos foram Dezesseis, mas foi bom, fiquei com o Sagrado Coração. Sou religioso, mas não pertenço A Ordem dos Templários. 
            Ler é um excelente hábito, quero algo novo, preciso de O Livro dos Dias, em 1º de Julho começo a leitura. Leila disse que tem esse livro, ela fala a verdade, trata-se de uma pessoa Sereníssima. Só Por Hoje fiquei até mais tarde na Fábrica., Há Tempos não fazia extra, ainda mais nessa Metrópole que está em Mil Pedaços.
            Preciso passear, Os Barcos ancorados me deram ânimo. Senti o Vento no Litoral apenas uma vez, dei azar, estava chovendo. As Quatro Estações do Ano, fui na errada, deveria ter ido em Uma Outra Estação.
            A Geração Coca-Cola acabou. O Reggae não era A Dança preferida na época, gostavam de uma Química mais pesada. Conexão Amazônica era a porta de entrada. Passava por Sete Cidades antes de chegar a Maurício, Eduardo e Mônica. Tinha até alguns Índios envolvidos; Quase Sem Querer, é verdade. Estavam Perdidos no Espaço, Clarisse avisa: Por Enquanto, só aos Meninos e Meninas. -  “cuidado na Travessia do Eixão”.
            Mariane não estava com o Daniel na Cova dos Leões, preferiu a companhia de Andrea Doria, Os Anjos são testemunhas. O Mundo Anda Tão Complicado, não há mais amizade entre Pais e Filhos. A Tempestade de inimizades e o Tédio (com T bem grande para você) contribuem para isso. Não conheço Angra dos Reis, mas já a desenhei várias vezes com um pedaço de Giz. Mais do Mesmo amor é o que necessito, vou até A Fonte para encontrá-lo.
            Que País é Este, onde existe um Teorema de paz? O Descobrimento do Brasil foi em 1500, os portugueses avistaram o monte Pascoal, e não o Monte Castelo, desde então buscaram o Petróleo do Futuro. Eles foram As Flores do Mal para muita gente. A Montanha Mágica era certeza de riqueza, foi uma correria em busca de lucro e não de justiça.
            Tenho uma idéia, Vamos Fazer um Filme. Já fiz um em que o Faroeste Caboclo era cantor de Música Urbana,e Eu Era um Lobisomem Juvenil que trabalhava na Central do Brasil. Nesta nova trama, Marcianos Invadem a Terra, cortam as Plantas em Baixo do Aquário, e vão embora. Haverá uma chuva de Metal Contra as Nuvens, são as aeronaves dos marcianos que passeiam pelo céu a caminho de casa. Não é um filme de guerra, é uma Comédia Romântica. O Dado Viciado não é um perdido, é apenas mais um dos Soldados. Uma Perfeição, nada de morte, dor, fome ou tristeza. O nome do filme? Depois do Começo.
Ah! Quase esqueci de falar onde passará o filme, será naquele lugar de nome estranho: O Teatro dos Vampiros. Eu vou, depois eu falo Se Fiquei Esperando o Meu Passar.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Machado de Assis e a escravidão

Educar é um delicioso desafio. E aprender também deve ser. É a Educação que desafia e constrói que possibilita a constituição de seres pensantes. E são estes seres que conseguem encontrar perspectivas dentro de um mundo que não parece oferecê-las senão enquanto discurso. É a educação que possibilita o pensar e portanto o ser que permite ao indivíduo constituir-se como cidadão, visualizar um mundo maior do que aquele que lhe foi dado. E é esta Educação que permite ao professor ampliar seu mundo também. Thiago  Leonardo de Sousa sempre me ensinou muito sobre seu mundo, suas aflições e sobretudo, sobre seus ideais. Ele encarou o desafio de tratar um texto literário como documento histórico com seriedade. E o resultado do desafio que propus e ele aceitou, foi uma paixão: este jovem apaixonou-se pela Literatura, disciplina irmã da História. E hoje, o artigo que segue, é o resultado de alguns meses de pesquisa deste jovem historiador e educador.

Dialética da escravidão: Um olhar de Machado de Assis.
Thiago Leonardo de Sousa.


Resumo: Através da analise de Memórias Póstumas de Brás Cubas, obra de Machado de Assis, se busca traçar o olhar que este autor direcionou a uma das dialéticas do sistema escravista, sendo as contradições entre o escravo e o senhor, e como seus escritos trazem a gênese da discriminação e segregação vividas hoje, pelo expoente que brotou deste processo.

Palavras-chave:  Machado de Assis, escravidão, dialética.


Vários escritores da literatura brasileira trataram da questão da escravidão, e em seus mais diversos aspectos, costumes, questões econômicas, questões sociais, Machado de Assis contribuiu de maneira significante para a apresentação deste quadro. Sendo descendente de negro e criado no Morro do Livramento, área periférica do Rio de Janeiro, Machado sentiu na pele, o que é ser este negro e a lutar por uma ascensão social. Neste artigo trataremos da visão da dialética entre senhores e escravos presente na obra Memória Póstumas de Brás Cubas.
Dialética porque trata de antagônicos, onde a tese produzida pela classe dominante entra em choque com a antítese dos elementos que compõem a sociedade e sendo esta por sua vez a própria síntese gerada. Dialética também por trazer a contradição da visão de inferioridade de quem na verdade constrói a economia, seja como mão de obra, seja como mercadoria. Por ser um plano visando riquezas, mais que em sua própria estrutura trouxe miséria, e fome no pós-escravismo, quando o escravo é alforriado vem no pacote sua exclusão social.

Na acepção moderna dialética: é o modo de pensarmos as contradições da realidade, o modo de compreendermos a realidade como essencialmente contraditória e em permanente transformação. (KONDER, 1990, p.8)

Voltemos a Machado, esse desejo de ser reconhecido e de se estabelecer como personagem importante da história da literatura, propiciou a Machado o contato com as duas realidades distintas, a da marginalização ao sentir na pele as contradições do seu cotidiano quando ainda era chamado Machadinho e criado pela sua Madrasta Maria Inês, que o ensinou seu primeiro oficio de vender doces. E como escritor aclamado coabitando com a elite intelectual da época representada pela à sociedade Lítero-humorística petalógica. Desembocando na fundação da academia brasileira de letras.
O livro Memórias Póstumas de Brás Cubas é lançado no ano de 1881, onde o autor vai trabalhar estas duas realidades, senhor versos servo, o primeiro partir da boa vida levada pelo protagonista Brás Cubas, jovem burguês, descomprometido, desejoso de status porem desde que não cause muito esforço, determinista, acredita uns nascem para glória e outros para servir e ou fracassar. O segundo na figura de Prudêncio, escravo que acompanha nosso protagonista desde o seu tempo de criança até a alforria dada pelo pai de Brás. Machado vai trabalhar esta questão a partir do ponto de vista da elite, o olhar que era lançado para tratar da questão do negro, passa pela concepção de mundo do senhor, como ele enxerga este negro, o entendimento cultural do negro a partir da visão do outro, o que foi característico deste tempo histórico, onde não havia sido dada voz aos excluídos podendo ser representada pela música Palmares, do álbum Povo Brasileiro da Banda Natiruts. “A cultura e o folclore são meus, mas os livros foi você que escreveu [...] perseguidos sem direitos nem escolas como podiam registrar as suas glórias, nossa história foi contada por vocês e é julgada verdadeira como a própria lei.”
Machado trata da escravidão em diversos fragmentos, da obra analisada, e por conta de ser a visão do dominador não coloca o negro em uma apoteose guerreira, como os contos dos quilombos com insurgências negras contra os senhores, ou mesmo a imposição cultural feita pelos negros em 1809, em Santo Amaro, no Recôncavo baiano, mais sim como um elemento que compõe as contradições de uma sociedade que passava por um processo de transformação, ou seja, o período em que campanhas abolicionistas e movimentos republicanos eclodiam na sociedade.
Período em que a sociedade decide quem pode fazer parte de sua constituição, e exclui os demais na peculiaridade de ser humano, mas mantém a característica de mão de obra com futuro incerto, em concordância com Darcy Ribeiro que fala sobre a sorte incerta, já que a princípio são tratados como mercadoria, no ato da compra e venda porem depois em posse dos senhores ficava as duvidas sobre quantas funções diferentes poderiam surgir a este “possuído”.
Configuração social que institui comportamentos, determinando valores, criando hierarquias entre os senhores, a quem ser livre traz a significância da posse como primeiro elemento, e que na infância já se educam para agirem e pensarem de forma sádica e tirânica.
Nascem, criam-se e continuam a viver rodeado de escravos, sem experimentarem a mais ligeira contrariedade, concebendo exaltada opinião de sua superioridade sobre as outras criaturas humanas, e nunca imaginando que possam estar em erro (FREIRE, 1987, p. 337).

Esse sentido de posse por parte do senhor vem se justificando a partir de questões religiosas, com afirmações do tipo, “o negro não tem alma” ou “devemos dotar este negro dos bons costumes cristãos”. De denominações cientificas, onde as correntes filosóficas, como o determinismo, o positivismo, e o evolucionismo, acabam por gerar múltiplas interpretações, e de preferência servindo a classe dominante, como no caso de Herbert Spencer e a criação do Darwinismo Social, com sua celebre frase “sobrevivência do mais apto”, (STRATHERN, 1998, p. 41). Ou por fim as questões jurídicas de direito.
        
O que atuou eficazmente em todo esse período de construção do Brasil como Estado autônomo foi um ideário de fundo conservador; no caso, um complexo de normas jurídico - políticas capazes de garantir a propriedade fundiária e escrava até o seu limite possível. (BOSSI, 1992. p. 179)
Retornando a questão das teorias evolucionistas como justificativa, figura um capitulo intitulado Borboleta preta, onde através de uso simbólico, Machado expões como os donos de escravo justificavam seu papel social, a inferioridade do negro é motivo predominante para que se escravize.  Esta inferioridade vem desde o nascimento e das características herdadas ao nascer. Todos agem predeterminados, em concordância com seu tempo e as relações sociais que o cercavam.
Na dia seguinte, [...] entrou no meu quarto uma borboleta, tão negra [...]. A borboleta, depois de esvoaçar muito em torno de mim, pousou-me na testa. [...] negra como a noite. [...] Dei de ombros, saí do quarto; mas tornando lá, minutos depois, e achando-a ainda no mesmo lugar, senti um repelão dos nervos, lancei mão de uma toalha, bati-lhe e ela caiu.
Não caiu morta; ainda torcia o corpo e movia as farpinhas da cabeça. [...]. Fiquei um pouco aborrecido, incomodado.
— Também por que diabo não era ela azul? disse comigo.
E esta reflexão, [...], me consolou do malefício, e me reconciliou comigo mesmo. [...] Vejam como é bom ser superior às borboletas! Porque, é justo dizê-lo, se ela fosse azul, ou cor de laranja, não teria mais segura a vida; não era impossível que eu a atravessasse com um alfinete, para recreio dos olhos. Não era. Esta última idéia restituiu-me a consolação; uni o dedo grande ao polegar, despedi um piparote e o cadáver caiu no jardim. Era tempo; aí vinham já as próvidas formigas... Não, volto à primeira idéia; creio que para ela era melhor ter nascido azul. (ASSIS, 1997, p. 79)

No capitulo o Vergalho Machado continua a elaborar acerca do determinismo e avança para a questão do escravo urbano e o reflexo de uma escravidão além da senzala, uma escravidão interna que transformava, acabava por gerar uma submissão desse negro que mesmo liberto ainda mantinha uma identificação e uma especie de gratidão ao senhor. Assim desprovido da capacidade de identificar no negro uma matriz comum a sua, desejoso de compor a parcela social expoente do poder, muitas vezes quando em liberdade repetiam as mesmas condições a que foram submetidos na escravidão, não havia a reflexão de sua parte sobre a injustiça e sim uma repetição de tratamento recebido. Acreditando que ao se colocar como carnífice do outro, como se colocaram a ele em tempo de cativeiro, tentando se tornar parte da sociedade que o excluía, buscava o status do que, ideologicamente, se considerava superior.

[..]Interrompeu-mas um ajuntamento; era um preto que vergalhava outro na praça. O outro não se atrevia a fugir; gemia somente estas únicas palavras: — “Não, perdão, meu senhor; meu senhor, perdão!” Mas o primeiro não fazia caso, e, a cada súplica, respondia com uma vergalhada nova.[...] Parei, olhei... Justos céus! Quem havia de ser o do vergalho? Nada menos que o meu moleque Prudêncio, — o que meu pai libertara alguns anos antes.
Cheguei-me; ele deteve-se logo e pediu-me a bênção; perguntei-lhe se aquele preto era escravo dele.
— É, sim, nhonhô.
— Fez-te alguma coisa?
— É um vadio e um bêbado muito grande. Ainda hoje deixei ele na quitanda, enquanto eu ia lá embaixo na cidade, e ele deixou a quitanda para ir na venda beber.
— Está bom, perdoa-lhe, disse eu.
— Pois não, nhonhô. Nhonhô manda, não pede. Entra para casa, bêbado! (ASSIS, 1997, p.131)

Machado continua a reflexão sobre como a reação de Prudêncio é reflexo dos castigos que o próprio Cubas dirigia a ele, porém sem remorsos chega a ironicamente justificar seus atos e de Prudêncio, de acordo com os moldes da sociedade, age como se espera que se façam os senhores, sendo livre faz aquilo permitido a qualquer pessoa em sua condição, adiquire escravos, e conforme aprendera, seu igual, em tempos anteriores, era agora menos que ele, era objeto e não uma pessoa, imputa ao seu cativo o mesmo mal de que padecera em tempo de escravo.

Logo que meti mais dentro a faca do raciocínio achei-lhe um miolo gaiato, fino, e até profundo. Era um modo que o Prudêncio tinha de se desfazer das pancadas recebidas, — transmitindo-as a outro. Eu, em criança, montava-o, punha-lhe um freio na boca, e desancava-o sem compaixão; ele gemia e sofria. Agora, porém, que era livre, dispunha de si mesmo, dos braços, das pernas, podia trabalhar, folgar, dormir, desagrilhoado da antiga condição, agora é que ele se desbancava: comprou um escravo, e ia-lhe pagando, com alto juro, as quantias que de mim recebera. Vejam as sutilezas do maroto! (ASSIS, 1997, p.132)

Ainda nos termos de justificação, Machado se utiliza da figura do Cotrin, Cunhado de Brás Cubas, para demonstrar que a analise feita destes homens, que se beneficiavam do modelo escravocrata, se baiseia na condição de homens de seu tempo e agiam conforme a sociedade lhes imputava, em um determinismo do qual não se escapa.

Como era muito seco de maneiras tinha inimigos, que chegavam a acusá-lo de bárbaro. O único fato alegado neste particular era o de mandar com freqüência escravos ao calabouço, donde eles desciam a escorrer sangue; mas, além de que ele só mandava os perversos e os fujões, ocorre que, tendo longamente contrabandeado em escravos, habituara-se de certo modo ao trato um pouco mais duro que esse gênero de negócio requeria, e não se pode honestamente atribuir à índole original de um homem o que é puro efeito de relações sociais. (ASSIS, 1997, p.198)

Estas realidades coexistiam na mente de Machado, questões que permeavam o relacionamento, em um espaço geográfico comum, mais em ideais de mundo muito distantes, pois se de um lado um aprende desde de pequeno a inferiorizar o diferente, o outro aprende, com valores forjados a se submeter ao outro. Essa não compreensão mutua, de artistas que compoe uma mesma realidade, mesmo que em papéis tão descrepantes um dos outros, acabou por gerar processos de inferiorização visto até hoje.

Os negros foram inferiorizados. Foram e continuam sendo postos nessa posição de inferioridade por tais e quais razões históricas. Razões que nada têm a ver com suas capacidades e aptidões inatas, mas sim, tendo que ver com certos interesses muito concretos. (RIBEIRO, 2008. p.16)

Vários elementos como a falta da composição de uma identidade étnica pelos escravos, o agrupamento em torno de um ideal comum e a gestação de uma resistência que faça valer os direitos de liberdade “conquistada”, somados aos modelos de justificativa da escravidão e que hoje justifica o preconceito, já que as ideologias sobreviveram através de outras mascaras, terminologias e formas de expressão, que associam ao negro qualquer mazela, sem citar a grande quantidade de piadinhas infames. Acaba por gestar uma sociedade que mediante interesses econômicos, continua a se esforçar por manter a sociedade nesta contradição entre desenvolvimento e exploração, Tudo em nome da mais velha do que boa manutenção do poder.
Bibliografia.

ASSIS, Machado. Memória Póstumas de Brás Cubras. São Paulo: O Estado de São Paulo/Klick, 1997.
______Pai contra a Mãe. In._____. Relíquias da Casa Velha. Disponível em http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bn000107.pdf Acesso em 23/03/2010.

BOSI, Alfredo. Dialética da colonização: A escravidão entre dois liberalismos, 3. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.

KONDER, Leandro. O que é Dialética. 25. ed. São Paulo: Brasiliense, 1990.

FAUSTO, Boris. Historia do Brasil. 4. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Fundação para o Desenvolvimento, 1996. p. 142-152.

FREYRE, Gilberto. Casa-grande e Senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal, 25. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1987. p. 409-461.

RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

RIBEIRO, Darcy. Sobre o obvio. In._____ Políticas Públicas sociais e os desafios para o jornalismo. São Paulo; Cortez, 2008.

STRATHEN, Paul. Darwin e a Evolução em 90 minutos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

SANTOS, José Rufino dos. O que é Racismo. 5. ed. São Paulo: Brasiliense, 1982.

TRÍPOLI, Mailde J. Machado de Assis e a Escravidão. Disponível em http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/setembro2008/ju408_pag02.php, Acessado em 29/03/2010.

MORAES, Renata Figueiredo. Pai contra a mãe: a permanência da escravidão nos contos de Machado de Assis Disponível em http://www.labhstc.ufsc.br/ivencontro/pdfs/comunicacoes/RenataMoraes.pdf
Acessado em 29/03/2010