quinta-feira, 31 de março de 2011

Vidas secas dos retirantes

Queridos e queridas,
Sabe quando temos um tema de pesquisa dentro de nós e ele conversa conosco até sair, aos poucos, amadurecendo e descobrimos que somos mais felizes com ele? Pois é, Carlos Alberto Maia descobriu um destes temas...que fala de sua história, de sua alma. E compartilha conosco o artigo que produziu. Boa leitura!

VIDAS SECAS DOS RETIRANTES: Uma questão de Governo
                                                                                              CARLOS ALBERTO MAIA
RESUMO
Com este tema - tão abrangente e insolúvel ao mesmo tempo – o artigo traz a proposta de discussão deste assunto partindo de duas fontes de pesquisas inspiradas na seca do nordeste brasileiro. A primeira fonte trata-se da obra de Graciliano Ramos intitulada “Vidas Secas”. A segunda fonte de pesquisa é um quadro de Candido Portinari intitulado “Os Retirantes”, praticamente uma imagem falada da obra escrita por Graciliano Ramos. Neste sentido as obras se relacionam, e é nesta comunicação que pretendo traçar um fio condutor entre estas duas obras, falando das condições gerais da população brasileira no tocante á seca, onde se vêem bairros inteiros em condições de perigo com relação á falta de água e a ação desastrosa do governo, sempre propondo o paliativo como solução para a dor de uma grande multidão que só queria ser reconhecida como cidadão brasileiro, como os mesmos direitos e obrigações.
PALAVRAS CHAVES: Vidas Secas, retirantes, falta de água, descaso, governo.
VIDAS SECAS DOS RETIRANTES: Uma questão de Governo
Nas condições atuais de nosso planeta, a falta de água é algo inevitável para dias futuros. O problema da numerosa população terrena contrastando com a quantidade ínfima de água doce disponível no eco-sistema são preocupantes.  Essa é uma realidade que há muito tempo assola as multidões, sempre suscitando discussões e previsões, as mais apocalípticas possíveis. E em um curto espaço de tempo estamos fadados a graves aborrecimentos, incluindo-se aí grandes massas de migrações brasileiras e mundiais. Estas
 migrações brasileiras, vistas pelo ângulo da sua causa, são verdadeiras migrações forçadas, provocadas pelo fato de que o jogo do mercado não encontra qualquer contrapeso nos direitos dos cidadãos. São freqüentes as migrações ligadas ao consumo e a inacessibilidade a bens e serviços essenciais. (SANTOS, 1993, p. 44)
O Governo não tem uma política eficaz para resolver o problema na sua raiz. O descaso, a corrupção, a falta de um reconhecimento igualitário do povo, são aspectos que prevalessem na hora de emitir uma ajuda eficaz a um povo mais distante dos grandes centros urbanos. Principalmente quando, dentro desta visão de mundo, existem ingredientes envolvendo distinção de classe social, pré-conceito e discriminação. Neste sentido o Governo nem vai lá, de longe estuda qual a melhor saída, qual a menos onerosa. É como se os gritos de desespero do povo local “não encontrassem eco na capital federal”. (VILLA, 2000, P.106)
Atualmente a migração não é conseqüência de uma escolha livre, mas tem uma raiz claramente compulsória. A maioria dos migrantes é impelida a abandonar a própria terra ou o próprio bairro, buscando melhores condições de vida e fugindo de situações de violência estrutural e doméstica. Este é um grande desafio, pois migrar é um direito humano, mas fazer migrar é uma violação dos direitos humanos. (MARINUCI apud ROCHA NETO, 2006, p. 22). [1]  

O ato de migrar sem apoio de ninguém, antes por força da sobrevivência, está estampado na obra de Graciliano Ramos e muito clara no quadro de Portinari, quando se lê e visualiza a condição do despreparo, do abandono, da tristeza e da dor de não ter o que fazer, ou para onde ir, salvo esperar a morte em sofrimentos atrozes. Além de tudo isto, existe o fato do povo ser tirado da sua terra natal nas piores condições de sobrevivência, e com um mínimo de confiança de um dia voltar e refazer a vida com os seus na terra natal. É como canta Luiz Gonzaga na sua bela música: A Triste Partida.[2]

Se o nosso destino
Não for tão mesquinho
Ai pro mesmo cantinho
Nós torna a voltar

No caso dos nordestinos, foi a saída que o governo achou - talvez a mais barata e menos comprometedora das divisas do país -, visto que “o governo, a igreja e os grandes proprietários e comerciantes não desejavam partilhar seus recursos socorrendo os milhares de retirantes; a emigração pareceu como uma solução”. (VILLA, 2000, P.57). Acharam melhor mandar para outra região onde muitos deles não voltaram mais, como canta o refrão da música de Luiz Gonzaga.[3]
Faz pena o nortista
Tão forte, tão bravo
Viver como escravo
No Norte e no Sul

Sendo assim, a tragédia já está desenhada. Em uma seca de grandes proporções, com falta de água generalizada, como a de 1877-1879, não haveria assistência eficaz para todos. Mesmo nos nossos dias, com um governo supostamente popular a falta de água generalizada causaria um movimento assustador de pessoas no campo e na cidade. O desespero com a falta de água é algo que muitos de nós ainda não experimentamos; o fato de ver a necessidade dentro de casa, sem poder fazer nada, obrigando-nos a partir sem saber para onde ir, é um espectro terribilíssimo que ameaça cada habitante da face da terra a médio e longo prazo.
Um outro quadro de Candido Portinari, intitulado “Criança Morta”, (também em anexo nesta edição),  traz muito bem essa dor do desespero; o fato de se perder uma criança dentro de casa ou em uma retirada, massacrada pela sede e pela fome é desolador. Antonio Gonçalves da Silva, mais conhecido como Patativa do Assaré, em morte de Nãnã dizia que “Na sua pequena boca, eu via o lábio tremendo, e naquela aflição louca, e também reconhecendo que a vida tava no fim foi regalando pra mim os tristes olhinhos seus, ai, ai, ai e disse: Bença Papai. Fechou os olhos e morreu”.[4]
É a tristeza que afeta o mais pobre da terra; só quem está imune a isto é uma classe rica, com condições financeiras para mudar de região sem dificuldades. Todavia o egoísmo não deixa que essa classe dominante veja mais ninguém, só pensando nela própria. O próprio Papativa do Assaré diz que “Vendo que não tinha inverno, o meu patrão, um tirano, sem temer a Deus nem o inferno, me deixou no desengano sem nada mais me arranjar” [5]. É a dor do nordestino abandonado na sua sorte, sem ter pra quem recorrer a não ser para Deus.
Esse abandono a própria sorte está estampado na obra de Graciliano Ramos, uma família de retirantes constituída de quatro pessoas e um animal, o retrato do desprezo da sociedade “abandonados pelo poder público, tentavam encontrar por si só, se não a solução para os seus problemas, ao menos formas de minorar os sofrimentos”. (VILLA, 2007, p. 178), fugindo com desespero gerado pela fome e pela sede e pelo cansaço; mesma impressão presente no quadro de Candido Portinari, cujo espectro da morte está tão presente
No céu, percebemos uma grande quantidade de pássaros que foram retratados num céu bastante azul. Estes pássaros foram pintados de preto, certamente com uma finalidade de retratação da morte, lembrados pela presença dos urubus, (...) que sorrateiramente aguardam a hora de se aproveitarem daqueles que não resistem mais e morrem. Percebemos também uma alusão alegórica à morte no encontro de uma destas aves com o cajado do personagem mais velho da composição, formando a conhecida foice que representa a presença desta que ceifa a vida. (ROCHA NETO, 2006, P. 36)[6]

Com o passar dos dias, ”os sertanejos que olhavam o nascer do sol baixavam a vista, alguns chorando a sua sentença de morte”. (VILLA, 2000, P. 45). Estas condições favorecem os atos desesperadores. A população não vendo saída ou atitude do governo movem-se de forma desorganizada, “famílias inteiras mortas, estradas juncadas de cadáveres, povoações abandonadas, lares destruídos, a capital e as cidades cheias de famintos. (VILLA, 2000, P.106). O governo, por sua vez indiferente, achando que era um mal passageiro e que logo tudo voltaria á normalidade,
Percebe-se na fala de Marco Antonio Villa, que este descaso para com os pobres é uma marca do Brasil. O que aconteceu no final do século XIX e no século XX com o nordestino referente a seca, é o mesmo que acontece hoje em pleno século XXI em algumas regiões como Rio de Janeiro e São Paulo, que o governo leva mais tempo tentando explicar o inexplicável do que tomando atitudes acertadas para resolver os problemas de forma definitivamente. O interessante é achar o culpado, o bode expiatório, aquele que será usado pela classe dominante para desviar de si a atenção da mídia e dos jornais. A solução dos problemas sociais, principalmente quando envolvem: Moradia, condição social, reforma agrária, desemprego e falta de água, tem que esperar; não será resolvido prontamente, mesmo porque “o governo ouve o grito das vítimas e constata a sua impotência para acudi-las”. (VILLA, 2000, P. 123)
Os problemas existem, a desigualdades são históricas; o Brasil é um dos países com a pior distribuição de renda entre os cidadãos e com certeza a prioridade da elite brasileira difere da prioridade da classe baixa, onde os problemas são básicos
Há desigualdades sociais que são, em primeiro lugar, desigualdades territoriais, por que derivam do lugar onde cada qual se encontra. A república somente será realmente democrática quando considerar todos os cidadãos como iguais, independente do lugar onde estejam. (SANTOS, 1993, p. 123)
Os interesses não são os mesmos para todos. Enquanto o homem rico está preocupado com água para encher sua piscina residencial, o pobre da região de Carapicuíba[7] sofre com a constante falta de água para tomar banho e fazer comida. É o caos, e depende muito do lugar que cada um está nesta sociedade que prioriza quem tem dinheiro e joga ao abandono, ao ostracismo aqueles que não têm para onde ir.

CONSIDERAÇÕES FINAIS.
Este artigo trouxe o problema da falta de água, da seca, que primeiro flagelou os nordestinos obrigando-os as migrações atrozes. O problema estampado nas duas obras é justamente a desigualdade territorial, quando a união, o governo, deveria considerar todos iguais, mas parece que alguns são mais iguais do que outros.
Tanto no texto de Marco Antonio Villa (2000) quanto no texto de Milton Santos (1993) os problemas estão na desigualdade social; o problema é ser nordestino, é estar mal localizado, é não ter educação; mas sabemos que mesmo em São Paulo ou Rio de Janeiro temos os escolhidos, uma pequena elite que escapará seja qual for a catástrofe. Os escolhidos serão eleitos pelos recursos que tem; o capitalismo é assim mesmo: patrão de um lado e empregado do outro; e as condições financeiras determinam quem deve escapar e quem deve morrer.
Este artigo não pretende esgotar o assunto, mas quando teremos água para todos? Falo primeiro do Brasil, para depois falar do mundo. Até quando aqueles que não têm água suficiente para viver ficarão quietos em seus lugares padecendo necessidades atrozes, sem buscar retirada para este ou para aquele continente? Tenho para mim que muito em breve a luta não será mais por petróleo, e sim pela água e o Brasil sempre foi a menina dos olhos de quem sonha em ter água para vender e negociar, uma elite internacional poderosa que muitas vezes considera a América Latina como quintal de sua casa[8] ou dizem que se os países sub-desenvolvidos não tem dinheiro para pagar as suas dívidas, devem pagar com os recursos que tem[9].

Referência Bibliográfica.

RAMOS, Graciliano. Vidas secas. 109. Ed. Rio de Janeiro: Record, 2009
SANTOS, Milton. O espaço do cidadão. 2. Ed. São Paulo, 1993.
VILLA, Marco Antonio. Vida e Morte no Sertão: Histórias das secas no nordeste nos séculos XIX e XX. 1ª Ed. São Paulo, Ática, 2000.
ASSARÉ, Patativa do. A morte de Nãnã. Disponível em Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=cWD0YoweNy4: acessado em 12/03/2011
GONZAGA, Luis. A triste Partida. Disponível em Disponível: \Documents and Settings\Usuario\Meus documentos\Professora Angélica\ARTIGO OFICIAL\Textos WEB\A TRISTE PARTIDA - LUÍZ GONZAGA (letra e vídeo).mht, acesso em 12/03/2011

MARINUCCI, Roberto. O fenômeno Migratório no Brasil. Disponível em Disponível em: <http://www.migrante.org.br/ofenomenomigratorioparaobrasil.doc>. Acesso em: 12 Mar. 2011.

ROCHA NETO, Manuel Alves da.  Possibilidades de leitura na Obra: “Retirantes” de Cândido Portinari. UBERLÂNDIA – MG. 2006. Disponível em 12/03/2011.



12 Mar. 2011.
[2] Disponível em http://letras.terra.com.br/luiz-gonzaga/82378/ acessado em 16/03/2011.
[3] Idem
[4] Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=cWD0YoweNy4: acessado em 12/03/2011
[5] Idem
[6] Disponível em HTTP://www.migrante.org.br acesso em 12/03/2009. Pesquisando no Google como: Migrante o fenômeno migratório para o Brasil, é possível ter acesso a uma cópia deste artigo do Marinucci que foi citado no artigo do Professor Manoel Alves da Rocha Neto em descreve com maestria a obra “Os Retirantes” de Portinari.
[8] Expressão muitas vezes usadas pelos norte americanos mas que achei disponível em http://primeirocontramare.blogspot.com/2005/04/amrica-latina-quintal-dos-eua.html para servir de exemplo. Acesso em 15/03/2011.
[9] Expressão usada pela Rainha da Inglaterra referindo-se ao Brasil e sua floresta amazônica.

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