terça-feira, 24 de agosto de 2010

Utopia da educação3

O país da educação



Luana Teodoro

- Bom dia professora!

- Bom dia Felipe!

E caminhei mais um pouquinho......

- Professora já consegui terminar o trabalho que a senhora nos pediu, já posso entregar?

- Maria, esse trabalho é para a semana que vem, você está bem adiantada! Parabéns!

Na sala dos professores os comentários são:

- Hoje vou dar aula no 8°ano, como eles são bons alunos! – disse a professora de português.

- Eu tenho que aplicar uma prova, os alunos estão entusiasmados com a atividade. – comentou o professor de matemática.

- E eu vou pedir que os alunos do 3°ano me ajudem a fazer alguns mapas para colocarmos na Exposição Cultural de Geografia de Encantamento. – Disse o professor de geografia.

No meio da conversa a diretora entra na sala e diz:

- Precisamos fazer uma reunião logo mais à tarde para decidir sobre os novos uniformes dos alunos e sobre as bonificações que o governo no enviou devido às boas notas do provão anual.

E assim começou mais um dia de trabalho na escola onde leciono. Desculpa, não me apresentei, moro num país chamado Encantamento, meu nome é Luíza e sou professora de Língua Portuguesa na Escola Machado de Assis – a escola tem este nome porque o país considera este autor um dos melhores que já existiu quando o assunto é escrever, é uma homenagem a esta pessoa que escreveu tantos livros e que contribuiu para a literatura de um outro país.

Encantamento é país pequeno, muito organizado e desenvolvido, ao contrário os grandes e famosos países que formam nosso mundo.

Eu não nasci em Encantamento. Sou natural de um país da América do Sul muito grande que tem tudo para ser considerado um ótimo país para viver, pois não existem terremotos, vulcões, vendavais, enfim, nenhum efeito catastrófico da natureza, mas por outro lado, a fome, miséria, corrupção, pobreza e violência são constantes, ninguém toma as medidas necessárias para melhorar.

Eu me mudei para cá logo depois que conheci este país, passei férias com minha família aqui e ficamos muito animados com este local - que por sinal tem a Língua Portuguesa como língua materna.

Esforcei-me muito para conseguir mudar com minha família para cá, porque os governantes são extremamente rígidos quando o assunto é fixar residência em Encantamento. É preciso mostrar todos os documentos e convencê-los de que é uma boa pessoa e tem as melhores intenções, além de ter que provar que quer ajudar de alguma maneira o país. O governo não admite falhas nem bagunças, as coisas são muito certinhas.

Tudo funciona corretamente por aqui, dificilmente é encontrada alguma falha e ao ser descoberta as medidas necessárias são rapidamente tomadas. Como minha área é a educação, vou apresentar-lhes como ela funciona por aqui.

A educação faz parte de uma das áreas mais importantes para o governo. O governo não mede esforços para ver todas as crianças na escola e ter todos os cidadãos alfabetizados. Estudar é algo importante e valioso para as pessoas que moram no país. Os governantes dizem que sem educação o país não cresce e se desenvolve, já que é o povo que faz isso acontecer.

Desde pequenos os pais matriculam seus filhos na escola. A idade de iniciação escolar é aos 6 anos, pois é nesta idade que a criança começa a compreender a importância da escola e se “amadurecer”. Antes dessa idade, as crianças ficam em casa com os pais ou outro parente aprendendo cantigas educativas e desenvolvendo atividades que ensinam brincando, como pintar, confeccionar os próprios brinquedos.

Os alunos são incentivados a estudar e eles gostam de estar na escola. O interesse por parte dos alunos é imensa, todos são interessados na aula, tiram dúvidas, lêem, escrevem, pesquisam sobre novos assuntos e sobre o que foi explicado durante a aula, realizam as atividades e até gostam de fazer provas, pois são nas provas que eles mostram o quanto aprenderam e o que precisam melhorar.

As avaliações são contínuas, ao término de cada ponto novo o professor aplica uma prova para ver o que o aluno aprendeu e se é preciso retomar alguma coisa, dessa forma fica fácil para o aluno como para o professor.

O professor tem liberdade para ensinar, ele precisa seguir o que é indicado para cada série/ano, mas pode fazer a aula como bem quiser.

Não existem regras e materiais que precisam ser seguidos diariamente. Ele tem liberdade de escolher dar aula ao ar livre, por exemplo em biologia, como usar objetos do dia-a-dia e que estão em todas as partes para ensinar geometria, levar os alunos para conhecer os relevos, realizar atividades de educação física em parques, ensinar o português a partir de músicas, folhetos, propagandas, enfim, o professor monta a própria aula utilizando quais materiais quiser.

O interesse do professor em ensinar não está totalmente ligado ao salário justo que ele recebe no final do mês, pelo contrário, a satisfação de ver um de seus alunos ingressando na melhor universidade do país, conseguindo um emprego decente e compreendendo o que acontece a sua volta é maior do que prêmios salariais. O professor faz o que ele gosta: ensinar corretamente.

É comum ver pais de alunos ou outra pessoa da comunidade na escola, pois são essas pessoas que ajudam no bom funcionamento da instituição. Eles opinam, ajudam a organizar eventos, participam de reuniões e de tudo o que for preciso. Essa participação acontece porque existe uma conscientização de que é preciso trabalhar junto com a escola para conseguir ser ou ter um morador cada vez melhor.

A escola serve merenda de boa qualidade, nutritiva e saborosa. A maioria dos alimentos são cultivados dentro da escola e os alunos ajudam a cuidar e a preparar a merenda. Parece loucura, mas não é, cada dia é uma turma que prepara o que todos vão comer. Isso não é difícil porque as escolas de Encantamento são pequenas. Por serem escolas pequenas, existem muitas instituições e todas as crianças têm onde estudar.

O aluno fica o dia inteiro na unidade, eles entram às 7 horas da manhã e saem às 17 horas. Parece muito tempo, mas cada minuto é aproveitado. No período da manhã, as crianças e jovens têm aulas teóricas com matérias que contribuem para o seu conhecimento, após o almoço – é servido almoço para todos e têm-se 1 hora livre -, os alunos recebem aulas práticas, como música, teatro, esportes, dança artes e outras línguas. Os professores das matérias convencionais são capacitados para ajudar no que for possível e se quiser participar das aulas práticas também podem.

Não existe uma idade determinada para terminar os estudos. Só existe a idade correta para começar. O ensino obrigado leva 14 anos para ser concluído, depois é opcional do estudante continuar ou não. A maioria dos jovens continua estudando porque gostam de estudar e porque procuram se profissionalizar.

Posso ficar horas e horas escrevendo sobre este país, mas está na hora de eu ir para a sala de aula, preciso fazer o que mais gosto: ensinar. Os alunos já devem estar na sala acomodados e esperando o momento de começar a aula e aprender coisas novas. O país da educação


Lecionar em um lugar onde todos valorizam a educação é mais que satisfatório, é gratificante!

Utopia da educação-2

UMA FORMA DE SONHAR

Renata Vieira Lima

TUDO COMEÇOU EM UMA SEXTA-FEIRA DIA 15 DE JANEIRO. LEMBRO-ME COMO SE FOSSE HOJE.ESTAVA ANGUSTIADA, PENSATIVA, A QUESTÃO DE QUE COMO SERIA A EDUCAÇÃO DAQUI ALGUNS ANOS.MAS, POR QUÊ?

SEREI UMA FUTURA PROFESSORA E JÁ ME SINTO COM A RESPONSABILIDADE DE ENSINAR A FUTURA GERAÇÃO. COMO SERÁ?

SE HOJE A EDUCAÇÃO SE ENCONTRA EM UMA DECADÊNCIA PROFUNDA, EDUCADORES CONFORMISTAS, DESANIMADOS, PREPOTENTES E ALUNOS REBELDES DENTOR DE UAM SALA DE AULA, COMO LIDAR COM ESSA SITUAÇÃO?

MUITOS ALUNOS E PROFESSORES PERDERAM A ESSÊNCIA DE QUE A EDUCAÇÃO É PRIORIDADE NA VIDA DE UM SER HUMANO, É ELE QUE FORNECE A BASE PARA CONSTRUIRMOS UM PRESENTE E FUTURO MELHOR.

DEPOIS DE REFLETIR TUDO O QUE ESCREVI NESTAS LINHAS, FUI ME DEITAR E ACAB EI SONHANDO...]E TUDO COMEÇOU ASSIM:

ERA FEVEREIRO DE 2012 E NAQUELE ANO, SÓ SE OUVIAM FALAR NAS RÁDIOS E NOTICIÁRIOS DE QUE A EDUCAÇÃO DO NOSSO PAÍS ERA MODELO MUNDIAL.A NOTÍCIA SE ESPALHOU NOS QUATRO CANTOS DA TERRA.

EU ESTAVA MINISTARNDO AULA, COM APROXIMADAMENTE 45 ALUNOS, TODOS UNIFORMIZADOS, ANSIOSOS ESPERANDO A AULA COMEÇAR.

O MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO HAVIA CONTRATADO UM GRANDE NÚMERO DE PROFISSIONAIS DE DIVERSAS MATÉRIAS, SALAS AMPLIADAS, LABORATÓRIOS DE PESQUISA, SALA DE INTERNET ALTAMENTE AVANÇADA, BIBLIOTECA QUE ANTES ESTAVA DESATIVADA, FORAM ATIVADAS COM UM ACERVO DIVERSIFICADO COM ATÉ EXEMPLARES RARÍSSIMOS DE SE ENCONTRAR, POLICIAMENTO AO REDOE DA ESCOLA, MERENDA DE QUALIDADE COM A PRESENÇA DE UMA NUTRICIONISTA RESPONSÁVEL PELA ALIMENTAÇÃO DAS CRIANÇAS .ENFIM, UMA EQUIPE TOTALMENTE ESPECIALIZADA EM ORGANIZAR DIVERSOS PROJETOS COM ALUNOS, INCLUSIVE NAS PERIFERIAS CARENTES DA REGIÃO.

TODOS ESTVAM ANIMADOS E ENTUSIASMADOS COM ESTE NOVO PROGRESSO.O GOVERNO NAQUELE ANO INVESTIU 80% SOMENTE PARA O SETOR DA EDUCAÇÃO.

NA SALA DE AULA , UM DOS TEMAS DISCUTIDO ERA SOBRE A CONQUISTA DE UMA NOVA EDUCAÇÃO .JOVENS, ADOLESCENTES E ADULTOS QUE ABANDONARAM OS ESTUDOS , RETORNAVAM COM A ESPERANÇA DE GARNTIREM UMA OPORTUNIDADE MELHOR NO MERCADO DE TRABALHO .

A MOVIMENTAÇÃO NO MERCADO DE TRABALHO, ESTAVA EM ALTA, O ÍNDICE DE DESEMPREGO ERA MENOR NOS ÚLTIMOS DEZ ANOS, OU SEJA, COM A FORMAÇÃO DE NOVOS PROFISSIONAIS QUALIFICADOS E UMA POPULAÇÃO ALFABETIZADA, O MERCADO ADMITE PARA AS ÁREAS QUE ESTÃO VAGAS E COM ISSO O PAÍS SÓ TENDE A CRESCER.

ERA ALGO INCRÍVEL E INACREDITÁVEL. NUNCA HOUVE EVOLUÇÃO INÉDITA COMO FORA ESSA, NEM MESMO QUANDO O HOMEM FOI Á LUA, TEVE TANTA REPERCUSSÃO COMO FOI A GRANDE MUDANÇA EDUCACIONAL DO NOSSO PAÍS.

NA ESCOLA EM QUE EU LECIONAVA, TIVEMOS A VISITA DE VÁRIOS REPRESENTANTES DE VÁRIOS PAÍSES, INCLUSIVE O JAPÃO, PAÍS CONSIDERADO 1º MUNDO. ELOGIAVAM MUITO SOBRE O NOSSO TRABALHO E O EMPREENDIMENTO QUE O GOVERNO INVESTIU NA EDUCAÇÃO. UM DOS PROJETOS QUE OS ALUNOS FIZERAM JUNTAMENTE COM PESQUISADORES NAQUELE PERÍODO, ERA A EXPLORAÇÃO DE PLANTAS DA AMAZÔNIA E A LUTA CONTRA O DESMATAMENTO.OS LAUNOS RECEBIAM LIVROS DIDÁTICOS, MATERIAIS E AINDA UMA BOLSA ESTUDANTIL PARA QUE FUTURAMENTE PUDESSE AJUDÁ-LO NA UNIVERSIDADE.AS UNIVERSIDADES TAMBÉM FORAM INVESTIDAS, DANDO OPORTUNIDADE PARA OS MAIS CARENTES.

EU ESTAVA MUITO SATISFEITA, ADMIRADA E FELIZ COM ESSA REVOLUÇÃO HISTÓRICA.

MAS, DE REPENTE O SINAL TOCOU E EU ACORDEI...

EU ACORDEI ASSUSTADA E VI QUE TUDO QUE ESTAVA EM MINHA VOLTA, CONTINUAVA NO MESMO LUGAR.OLHEI PARA O RELÓGIO PONTAVA MARCAVA 09:00 HS DA NOITE.

O DIA 15 DE JANEIRO FOI APENAS UM SONHO, UM SONHO BOM. A ANGÚSTIA FOI EMBORA E NO LUGAR BROTOU A ESPERANÇA DE UM DIA DESSE SONHO SE TORNAR REALIDADE.

RENATA VIEIRA LIMA

Utopia da educação

Queridos e queridas,


Sabem que sou uma professora apaixonada mas estou cada vez mais feliz com as possibilidades que a disciplina Filosofia da educação me oferece. Entendo que Filosofia é você pode olhar para o mundo questionando-o e a partir dos questionamentos que fizer, posicionar-se, sem se acomodar. Neste semestre, surgiu o desafio de fazer uma turma de 2o. semestre de Letras refletir sobre a educação de nosso país, sem estar na sala de aula como professores. Pensei, então, em aproveitar A Utopia, de Thomas More, para provocá-los a pensar no que seria a educação atual frente às mazelas que vivenciamos. Eles realizaram uma pesquisa sobre Educação no Brasil e leram o texto de More. Escreveram, então, uma utopia de educação a partir de suas reflexões. A seguir, reproduzo alguns dos bons textos que surgiram nesta turma. Vale ler todos e pensar: qual é a sua utopia de educação?

Cidade dos Sonhos
Midian Santos
Um casal que vivia numa sociedade tomada pela violência, desigualdade social, totalmente destruída, descobriu que logo logo teriam uma linda criança para cuidar.

Preocupados com tantas coisas ruins que aconteciam naquela cidade, procuraram um lugar distante que nunca tivesse sido habitado por seres humanos. Escolheram uma ilha pequena e bela e por serem conscientes, fizeram o convite para alguns casais a fim de lá criarem uma sociedade perfeita.

O convite foi aceito por algumas pessoas que com seus conhecimentos ajudariam no desenvolvimento da sociedade.

É claro que eram pessoas com costumes diferentes, que até então também tinham interesses diferentes e abriram mão de algumas conquistas por um ideal que todos a partir daquele momento tinham em comum. Por isso a primeira decisão tomada foi que as crianças sempre saberiam que fora dali existiam outras sociedades e também que na cidade dos Sonhos prevalecia o amor, independente de qualquer diferença, até porque algumas diferenças acabariam com o tempo, já que ali não existiria concorrência nem desigualdade social..

Começaram a trocar informações sobre suas profissões, permitindo que todos soubessem um pouco de tudo, e assim, se formaria uma sociedade uniforme.

Suas crianças começaram a crescer, aprenderam a escrever, ler a cuidar dos animais, das plantas e criar suas próprias brincadeiras.

Os pais podiam acompanhar seus filhos nas brincadeiras, afinal ninguém se matava de trabalhar, todos faziam suas tarefas e quem acabava primeiro ajudava o companheiro terminar sua tarefa também.

Não existia venda nem troca, pois tudo era feito por todos e para todos.

As crianças até uma determinada idade apenas brincavam e aprendiam sobre natureza e sabiam que num determinado momento trabalhariam com os adultos. Mas sabiam esperar, porque ali não havia ansiedade, pressa, inveja, desespero, roubo e etc.

No final da tarde os adultos contavam muitas histórias para as crianças, entre elas, contavam como era desastrosa a sociedade em que viveram antigamente. As crianças não entendiam e não acreditava como tantas coisas ruins aconteciam. Sempre perguntavam como uma criança podia ir à escola e não aprender, ou como alguém não tem acesso a água limpa, custavam acreditar que alguém podia dormir embaixo da ponte e ao mesmo tempo outra dormir tranquilamente com todo conforto sem se preocupar com o próximo.

Como as crianças da cidade dos Sonhos foram criadas com muito amor, imediatamente pediram que seus pais buscassem as pessoas das sociedades para morarem com eles. Isso se repetia todas às vezes que essa história era contada. Mas infelizmente não era possível atender esse pedido.

Após escutarem mais uma vez essas histórias, todos foram dormir, mas uma delas não parava de pensar em tudo que escutou e ao adormecer sonhou que estava visitando crianças de outras sociedades.

Ao chegar à cidade ela encontrou várias crianças brincando, respirando ar puro, animais sem serem maltratados. De uma casa sai um adulto e avisa que todos devem se arrumar pois logo chegará a hora de irem à escola.

As crianças pararam de brincar mais continuaram felizes pois amavam estudar e com certeza continuariam se divertindo . Passando algumas horas todas as crianças saíram de suas casas de banho tomado, com uniformes de escola e materiais escolares impecáveis.

Ao chegar à escola que tinha escrito ESCOLA PÚBLICA, percebeu que nada era como haviam lhe contado. As cadeiras, mesas, torneiras, banheiros, lanches, tudo era perfeito, então ela percebeu porque as crianças continuavam tão felizes.

Na sala de aula as professoras davam atenção para todos os alunos, afinal o número de crianças era pequeno e havia muitas salas de aula com grupos pequenos de alunos e professores dispostos. Percebeu que na sala de aula tinha um menininho sentado numa cadeira de rodas e ele não encontrava nenhuma dificuldade para se locomover, pois a escola estava totalmente adaptada, tinha rampas, elevadores e também pessoas com vontade de ajudar.

Perto de terminar a aula, uma das crianças lembrou à professora que ela ainda não havia passado o dever de casa, que era sempre algum trabalho relacionado à natureza.

De repente ela começou a escutar risadas e conversas e acordou.

Levantou motivada, disposta a fazer algo para mudar as histórias tristes que havia escutado. Reuniu-se com as demais crianças e descobriu uma forma de tentar mudar a humanidade que tinha tantas histórias tristes. Resolveram fazer vários barquinhos e colocá-los no mar com mensagens de respeito, incentivo à educação, paz e amor ao próximo.

Uma das criancinhas colocou no barquinho a história da sua cidade, da sua felicidade, da bondade que existe no coração do homem. E sabia que se os adultos não acreditassem no que estava sendo contado pelo menos contariam para as crianças uma historinha de faz de conta com final feliz e quem sabe com isso novamente a vontade de mudar surgiria em alguém daquela sociedade, criando outras belas e novas cidades.

Movimentos sociais e educação

Ah, é muito bom compartilhar o mundo com seres pensantes e reflexivos. Na semana passada, "cutuquei" uma destas pessoas maravilhosas que me permitem estar em sala de aula e pedi-lhe mais textos para o blog. Eis o que Rutimiriam Porto enviou. Texto polêmico. Vale ler e debater. O blog é pra isso.

A caça às escolas itinerantes
Por: Rutimirian Porto

“Segunda-feira, dia 02 de março, notícia inicial do Jornal da Globo: Ministério Público do RS fecha escola itinerante do MST. Em poucos minutos, a notícia: Presidente Lula crítica assassinato do fulano por parte de integrantes do Movimento dos Sem-terra. Overdose ideológica na veia. Sem anestésico”. (1)

Não é novidade que as principais fontes de informação populares, como jornal da Globo e a revista Veja, com frequência articulam notícias de interesse público de forma distorcida, ou seja, deixando lacunas como diz Marilena Chauí, dessa forma tem formado opiniões de acordo com os interesses políticos desse ou daquele partido. Mostrar o fechamento de escolas do MST e mostrar o presidente Lula contrário ao assassinato supostamente cometido por um integrante do movimento deixa transparecer que essa já não é mais uma causa apoiada pelo mesmo.

É claro que o MST conta com o apoio do atual governo brasileiro. E não deveria ser diferente, já que na essência o PT é ou pelo menos dizia ser um partido de trabalhadores, sendo assim, é coerente que movimentos de reivindicação de trabalhadores rurais por reforma agrária tenham simpatia petista.

Por outro lado, contar com esse apoio não justificaria – caso seja constatado pela CPI que foi aprovada hoje quinta-feira 22 de outubro – que verbas públicas sejam utilizadas por esse movimento. Ao contrário, existem discussões sobre a legitimidade desse movimento como movimento social.

O promotor de justiça do Rio Grande do Sul, Gilberto Thums, defende que o MST transformou-se em movimento político ideológico, financiado por ONGs que recebem verbas públicas e são repassadas ao movimento, com base nessas afirmações algumas medidas foram tomadas como bloqueio às contas bancárias e fechamento das escolas itinerantes.

O caso das escolas é curioso, o promotor afirma que nas escolas desses acampamentos são ensinadas táticas de guerrilha armada. Já o Ministério Público alega que seu fechamento deve-se ao fato de que “elas não seguem as diretrizes pedagógicas oficiais e implantam a ideologia socialista nos alunos.” (segundo o Jornal O Globo de 19/02). Por estes motivos foram fechadas no início desse ano.

O intuito do promotor é defender sua opinião pessoal (segundo o mesmo) de que o movimento deve ser extinto e jogado na ilegalidade por incitar o vandalismo, a violência e a invasão ao patrimônio privado produtivo e que seus membros deveriam ser tratados como criminosos.

Utilizar-se desse discurso pejorativo a respeito da educação nos acampamentos é tão polêmica quanto o próprio movimento, que é amado por muitos e odiado por tantos outros. Se de um lado encontramos entre seus defensores ícones nacionais da educação como Paulo Freire e Florestan Fernandes que defendiam de forma bastante contundente que nosso país é carente de movimentos sociais e que o MST é um símbolo de tal resistência contra o latifúndio e defensor da consciência de classe, por outro somos bombardeados por manifestações da mídia contrárias a ele como é o caso da publicação na revista Veja em setembro de 2004. A jornalista protesta contra o fato dos estudantes terem um calendário alternativo que difere da cartilha do Ministério da Educação, ela afirma que em visita a acampamentos no RS notou que “os professores utilizam, uma espécie de calendário alternativo que inclui a celebração da revolução chinesa, a morte de Che Guevara e o nascimento de Karl Marx. O Sete de Setembro virou o "Dia dos Excluídos", e a Independência do Brasil é grafada entre aspas. "Continuamos dependentes dos países ricos”. (3)

Que a intolerância sempre existiu porque o ser humano não sabe viver com os desiguais, ou não quer saber por medo de perder o poder, não é novidade. Que nosso país se recusa a admitir as discriminações contra mulheres, negros, pobres e aí por diante continuam fazendo parte do nosso cotidiano, também não se discute aqui.

Fico com a definição de Maria Eleusa Mota Santana, representante dos movimentos sociais em Uberlândia, “o MST não foi invenção de alguns (as) trabalhadores (as) brasileiros (as). Trata-se de um movimento social de extrema importância, uma vez que tem uma especificidade classista, uma dimensão contestatória radical. São camponeses e camponesas que se organizaram na luta pela terra e passaram a ser reconhecidos mundialmente como Sem-Terras do MST, numa denominação que a imprensa adota e divulga como sendo a saga do povo camponês ao buscar o fio da meada que havia ficado solto desde o desmoronamento das Ligas Camponesas pelos militares na Ditadura.” (2).

A preocupação real e que não podemos deixar de refletir, é que deixando o maniqueísmo de lado acerca desse assunto, os engajados nesse movimento poderiam ou deveriam pensar até que ponto os protestos do promotor Gilberto Thums são infundados, será que o MST e sua causa nobre não está sendo usado como massa de manobra? De fato sua base é formada por pessoas com extremas dificuldades em vários âmbitos, mas o que há por trás disso tudo, que por que depois de tanto tempo de existência, ultimamente esses pobres famintos vêm incomodando tanto as autoridades?

Não nos esqueçamos que por trás do lema “brioche para todos” gritado pelo povo faminto na Revolução Francesa, estava um forte interesse político burguês que em nenhum momento depois de sua vitória possibilitou o brioche para todos, ao contrário, a fome continuou, a exploração aumentou e deu asas ao vôo do capitalismo.

De qualquer forma, podemos dar asas também ao “terrível” pensamento feminista do poeta Zé Pinto que tanto me encantou:

Não nos faça essa maldade

Se queres lavar meu prato
Só porque tu és mulher,
Imploro-te de joelhos
Não nos faça essa maldade.
Reforçar este machismo
Nunca trará recompensa.
Se a consciência tem flores
Mas também dita a sentença
Nem deveria viver
Quem te faz reconhecer,
Que teu caminho é apenas
Entre o fogão e a despensa.

(Zé Pinto é cantador, poeta e compositor do MST)

Rutimiriam

Fontes
(1)http://livresassociacoesdafifi.blogspot.com/2009/03/escolas-itinerantes-fechadas.html(aceso em 22-out-2009)
(2)www.revistadeeducacaopopular.proex.ufu.br/.../getdoc.php?id...(acesso em 22 out-2009
(3)http://veja.abril.com.br/080904/p_046.html(acesso em 22-out-2009)

Favela tem memória

Queridos e queridas,
Descobri um site que vale espiar : trata-se um um espaço destinado a divulgar histórias sobre as favelas do Rio de Janeiro, inclusive com depoimentos de moradores.
Quando puderem, acessem:
http://www.favelatemmemoria.com.br/

Loucura, poesia e poder

Gustavo Querodia Talerow já dispensa apresentações neste blog. Historiador, professor e mestrando deixa seu olhar e marca presença em seus textos. Gustavo tem se mostrado apaixonado também neste novo caminho que percorre: ao longo das pesquisas para o mestrado, deparou-se com cartas dos internos de instituições de “saúde mental” e deliciou-se com o conteúdo delas.

Generoso, compartilha conosco suas primeiras reflexões sobre o material.



Tem razão! O oceano entre os continentes da loucura: A arte de pensar (n) o Hospital do Juquery.

Simão Bacamarte, protagonista da clássica obra de Machado de Assis, “O Alienista”, ao buscar as causas, as manifestações e as formas de lidar com a loucura, já apontava a dimensão da tarefa a que se havia proposto ele e os “alienistas” de seu tempo:

“A loucura, objeto dos meus estudos, era até agora uma ilha perdida no oceano da razão; começo a suspeitar que é um continente.”

Esta tarefa se torna ainda maior quando consideramos os portadores de transtornos mentais pessoas capazes de pensar, criar e refletir, independentemente da sua doença, uma vez que, nesta abordagem, o limite entre a razão e a “loucura” se torna tênue, muitas vezes quase imperceptível. A discussão sobre a possibilidade de haver ou não uma “razão” por trás das doenças mentais permeou toda a história da Psiquiatria e provocou em determinados momentos o seu afastamento da Psicologia, por exemplo, em suas diversas vertentes. Entretanto, com o movimento de Reforma Psiquiátrica [1], que propõe uma análise multidisciplinar sobre os doentes mentais, as produções artísticas, culturais e políticas destas pessoas passaram a receber uma atenção mais efetiva e pormenorizada.

Fato é que já nas décadas de 1930 e 1940, alguns médicos brasileiros buscavam nas artes a solução para os transtornos mentais de seus pacientes, como é o caso da Dra. Nise da Silveira no Rio de Janeiro e de Osório Cesar no Juquery, São Paulo. Todavia, tanto os psiquiatras quanto a sociedade em geral construíram ao longo do tempo uma imagem de incapacidade destes doentes, de modo que as suas palavras, opiniões, escritos e manifestações artísticas eram consideradas somente a comprovações da presença de delírios.

Como parte das pesquisas para a composição da minha futura dissertação de Mestrado, analiso os prontuários médicos produzidos no Hospital do Juquery entre 1923 e 1945, compondo um perfil dos pacientes ali internados e transcrevendo alguns trechos que julgo elucidativos. Esta verdadeira incursão na realidade que os pacientes ali internados viviam e nas histórias de vida ali apresentadas, foi possível verificar o conflito entre a “razão” e a “loucura”, em tentativas de imposição de suas concepções de normalidade por parte dos médicos e na luta por ter voz por parte dos pacientes. Sem a pretensão de fazer maiores discussões sobre as formas de atuação dos médicos ou sobre o próprio histórico do Juquery, pretendo compartilhar aqui algumas etapas destes conflitos, mais que de “dominação” ou de “controle” em termos foucaltianos [2], mas de mostrar a razão que há por trás da loucura diagnosticada.

Prática comum naquele hospital era a de interceptar as cartas redigidas pelos pacientes para comprovar os delírios apresentados a partir da análise de seus conteúdos e da própria grafia dos doentes (“estudo grafopatológico”). Este acervo se constitui importante fonte documental para compreendermos a visão que os pacientes tinham sobre a sua doença, sua condição de reclusão e sobre o atendimento que recebiam no hospital e a avaliação que os médicos faziam sobre esta produção.

Um exemplo interessante é o do paciente Benedicto R. P, 30 anos, internado em 21/07/1923, negro, sargento da “Força Pública”. No relato de sua doença, o psiquiatra afirma que não encontrou nele a “presença de delírios”, mas que ele é “tolo, ambicioso e tem mania de perseguição”. O paciente redigiu uma carta, que foi interceptada pelos médicos, ao seu superior da Força Pública e ela acabou por constituir a base para o seu diagnóstico de “Parafrenia”. As observações em destaque são a reprodução exata das realizadas pelos médicos na carta em questão:

“[...] estando em bom estado, tomo a liberdade de pedir a V.S., por especial fineza a dispensa do meu irmão cabo-tambor deste mesmo batalhão, afim de que ele possa vir ao hospício entender-se comigo a respeito de minha saída.

Meu mano virá com a minha senhora e as crianças. Provavelmente ele lembrará de trazer as roupas, cigarro, fumo e dinheiro para as despesas que forem necessárias

Falta de lógica

Sem mais, queria aceitar a recomendação afetiva do meu fiel camarada e amigo B.R.P, do regimento de cavalaria”

Egocentrismo e falta de respeito

Aqui é possível perceber que o fato de o paciente tratar com certa intimidade o seu superior, faz com que se legitime o seu diagnóstico, uma vez que ele estaria violando as normas e hierarquias estabelecidas. A clareza da escrita e a coerência nela expressa em nenhum momento são analisadas. Este paciente faleceu em março de 1925, sem que a causa fosse relatada.

Com esta mesma conotação, um rapaz de 28 anos, branco, internado em 29/04/1928 teve as suas cartas endereçadas para sua família interceptadas para comprovar seu diagnóstico de “Melancolia ansiosa”, que fazia com que suas lamentações “entrassem pelo crepúsculo e o encontravam ainda no raiar do dia”:

“Querida família:

Não sei qual o motivo que deixou de vir me visitar. Sinto saudades de todos daí e ninguém vem me visitar. Será possível que vossos corações transformaram em pedra, ou morreram todos? Eu faço questão que minha família venha me visitar.

Estou cansado de escrever a vocês e não obtenha resposta. Esta será a última carta que escrevo antes de ir para o suplício eterno. Quero que ninguém senão chamarei todos vocês de traidores”.

Neste caso, a súplica do rapaz para que a sua família o fosse visitar serviu somente para que se comprovasse a “melancolia” que provocou sua internação. Vale dizer que em seu prontuário consta que ele tinha “inteligência lúcida, caráter reto. Era estudante de Medicina”. Todavia, a lucidez de seus escritos não foi capaz de fazer sucumbir o estigma de loucura que foi colocado sobre ele.

Por outro lado, tive o prazer de encontrar verdadeiras obras de arte anexadas junto aos relatórios médicos. Pude observar poemas, esboços de livros escritos dentro de hospital, partituras de músicas e desenhos diversos com uma qualidade excepcional, que confesso que me despertaram admiração e a certeza de que poucos “normais” ou “não-loucos” fariam melhor. Entretanto, muitas vezes essas composições acabavam passando despercebido pelos médicos, que tão somente as anexavam nos prontuários, sem vê-las, em sua grande maioria, como arte.


Neste sentido, muito me chamou a atenção um poema escrito por Benedicto Antonio N., 37 anos, branco, brasileiro, lavrador, internado em 06/11/1929. Oriundo de Jacareí trabalhava com a plantação de café e teve as suas finanças prejudicadas pela crise econômica ocorrida no ano de sua internação. Neste poema, escrito em 1932, o “paciente” busca demonstrar o que gerou a sua doença e as arbitrariedades e a incipiência da medicina mental que passou a cuidar de seus conflitos pessoais:

“Senhor médico e amigo
Vou contar a minha situação
Quatro anos de sofrimento
Que me corta o coração.

Eu a sete anos atraz estive
Gozando a minha saúde perfeita,
Veio esta baixa do café
Veio esta doença desgraçada todos defeito.

Eu quando vi isso fui procurar
Um médico para curar para ficar forte,
Eu na confiança dele quazi
Me poz mais a morte.

Mas eu percebi isto passei com outro
Elle me receitou injeção de bismutho
Eu pensei que era bom
Era outro bruto!
[...]
Assim foi até que elle me mandou
Ao Hospital de Juquery,
Deixando mai pai e minha terra
E amigos que justamente a Jacarehy.

Agora quando cheguei no Juquery
Fiquei muito desanimado,
A olhar para a cara daqueles doentes
Tão feia que parecia cara de um dia de tempestade.
Eu pensei cá comigo
Aqui neste hospital estou desgraçado,

Mas o que lhe hei de fazer
Se me sinto nesta chave trancado!
[...]
No fim de dezesseis mezes
Lá em desgraça e febre,
Lá foi meia dúzia de corcoveos
Para ver se escapa dos 7 palmos que é debaixo da terra.

Isto tudo é contado pela subida e baixa do café
Em todo o mundo e 7 em 7 anos,
E pelo sangue e nervos que todos morrem
E assim o mundo vai se acabando.
[...]
Vocês estão vendo!
Povos tão doentes e fracos
E o sangue e os nervos que estão
Matando e mandando para os buracos.
[...]
Dou este verso
Por fim terminado,
Dizem os bons médicos
Que se morrer está tudo desgraçado”

Incrível pensar que 80 anos depois as diversas crises econômicas e o próprio mundo em crise, continua a levar muitos “para os buracos” e continua a mexer com os nervos de muitos. O autor do poema foi diagnosticado com “psicose maníaco-depressiva”, o que é fácil de relacionar com seu estado econômico após a perda de seus bens. Um duro golpe àqueles que sempre diagnosticaram a loucura a partir de “sinais de degeneração” [3] ou por questões raciais. Talvez por isso o poema não tenha recebido a atenção que merecia.

Por fim, é impossível deixar de refletir sobre o caso de Laura L. P., 33 anos, branca, brasileira, internada em 01/08/1930. Diagnosticada com “Esquizofrenia”, passou a recebeu as terapias mais agressivas da história da Psiquiatria, como a Insulinoterapia, o Choque cardiazólico e a Eletroconvulsoterapia, o ECT [4], e foi encaminhada para ser submetida a uma leucotomia, o que acabou não se efetivando. Em seu prontuário consta que sua doença se manifestou a partir da morte de sua mãe, o que ocasionou “perda de afetividade” e delírios persecutórios.

Um ponto chave para o seu diagnóstico é o fato de ela recitar poemas em francês, alemão e inglês e “cantar insistentemente”, passando de “uma cançoneta italiana para uma canção alemã ou ainda para um trecho de uma ópera qualquer”. Este seu “estado de agitação” e o volume de poemas recitados e escritos justificavam a sua permanência no Hospital. Em seu prontuário, consta um poema de Vicente de Carvalho, copiado pela paciente em questão, que reforçava, assim, o argumento dos médicos:

“Cahir das rosas
Deixa-me, deixa-me fonte, dizia a flor

Tonta de terror e a fonte sonora e fria
Rolava levando a flor!...
Ahi, balança meu galho, balanços do berço

Meu, ahi claras gottas de orvalho colhida do
Azul do céu! Chorava a flor e gemia branca
Branca de terror e a fonte sonora e fria rolava levando a flor!...
[...]”.

Desta maneira, todo um arsenal terapêutico foi mobilizado somente para conter estas expressões de uma pessoa que possuía uma “perda de afetividade”.

É importante ressaltar que não devemos ver os médicos como “brutos” ou “maquiavélicos”, numa visão maniqueísta. Aquela era a medicina da época que com sua lógica, suas terapias e concepções buscava a cura daqueles que estavam sob a sua responsabilidade. Todavia, o fato é que a herança de estigmatização dos doentes mentais, bem como a sua exclusão social e a subjugação de suas produções permanecem latentes em nossa sociedade.

Os novos estabelecimentos extra-manicomiais têm buscado construir uma abordagem mais inclusiva e que valorize a razão que há na loucura. Numa análise recente podemos verificar esta concepção no documentário “Estamira” [5], que mostra a vida de uma senhora que após sofrer vários reveses em sua vida, manifesta um transtorno mental e passa a viver dentro de um aterro sanitário, o que não a impede de filosofar sobre a vida, religião, sobre questões ambientais e sobre o atendimento médico que recebe.

Assim, voltando à conclusão de Simão Bacamarte, como os oceanos são maiores que os continentes, a razão sempre envolve a “loucura”. Numa sociedade em que tudo deve ser “comprovado cientificamente”, o número de pessoas que sofrem de algum distúrbio mental é crescente. O que é mais racional? O que é ser louco? Talvez tenhamos perdido muito tempo marginalizando os “diferentes” que acabamos nos esquecendo que todos somos iguais. Vale a reflexão.

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[1] Movimento presente em vários países que propõe a extinção dos Hospitais Psiquiátricos e a implantação de uma rede de atendimento alternativo, sem que haja a exclusão social e a manutenção de doentes em regime asilar de longa duração. Para maiores informações, ler: AMARANTE, P. D. de C. (coord.). Loucos pela vida: a trajetória da reforma psiquiátrica na Brasil. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 1995

[2] Michel Foucault, filósofo francês (1926 – 1984). Autor de obras consagradas como “História da loucura”, “Vigiar e punir” e “Microfísica do poder”.
[3] Para maiores informações sobre Eugenia e as discussões sobre “degeneração”, ver: SCHWARCZ, L. M.. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil, 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
[4] Essas terapias são chamadas de “Terapias biológicas”, pois cada uma com sua especificidade busca provocar uma alteração no funcionamento corpóreo, seja pelo coma, pelas febres ou pela convulsão, o que teoricamente provocaria a cura das doenças mentais.
[5] Direção de Marcos Prado, 2006.

Teatro latino-americano

A querida e talentosa Queila, que sempre nos brinda com anúncios dos eventos que o grupo do qual faz parte preparou, agora nos possibilita ler uma parte da pesquisa que sei que levará para toda a vida. Os primeiros escritos desta jovem pesquisadora são extremamente promissores, não só em função de sua competência intelectual e disciplina esmerada na elaboração do trabalho mas também pelo "sentir o tema" que lhe fala diretamente à alma.

Segue convite que recebi e repasso para vocês:

Acabou de ser lançado o primeiro número da revista eletrônica Todas as Musas, na qual foi publicado o artigo que escrevi em parceria com a minha orientadora Lucirene Carignato: Teatro e história: um jogo de viceversa.

Pra quem tiver a fim de ler este e outros artigos é só acessar o link abaixo.

Aproveito pra agradecer Gi e Leide pelo "help" na tradução...rs

Olhares para o quilombo

Flavia Aparecida Silva já anunciei como alguém que ainda vai revolucionar a historiografia brasiliera. No final do 5o. semestre do curso de História, escreveu seu primeiro artigo que agora podemos ler, pois foi publicado. Compartilhar com os leitores deste blog os primeiros trabalhos publicados dos meus queridos e queridas muito me honra. É muito bom vê-los criando asas e ganhando o mundo.

Segue o link para o artigo escrito pela Flavia.
http://www.ceedo.com.br/agora/agora8/indiceagora8.htm

Fotografia, arte e sensibilidade

Quase sempre, não sabemos ao certo onde dará o caminho que percorremos.

Depois de algumas viagens a Juazeiro do Norte, fui convidada, por indicação de meu querido Gilmar de Carvalho, para participar do Barraco MTV, apresentado na época pela Soninha, e que trataria da temática do Fim do Mundo (era ano2000).

Qual não foi minha surpresa quando, após o programa, recebi um telefonema da produção dizendo que um fotógrafo gostaria de conversar comigo.

Dias depois, conheci José Bassit. Cabelos longos, jeitão descolado, ele apareceu no portão da casa dos meus pais com uma pasta cheia de histórias. Fotos, preciosas, de um olhar único sobre o mundo.

Tornei-me fã incondicional de seu trabalho. O registro que seu olhar faz do mundo não pode ser traduzido por palavras, mas as suas imagens falam. Zé Bassit tem uma sensibilidade que transborda seu corpo e preenche a lente com o que ele captura do mundo.

Gostaria que vocês pudessem contemplar um pouco desta arte e por isso convido-os a acessar seu portfolio, idealizado por ele e por Alexandre Borba, talentoso webdesigner que soube aproveitar-se da poesia das fotos de Bassit para traduzi-las no site.

Deliciem-se:

As mulheres em Germinal

Simone Ribeiro de Sousa é graduanda em História. É uma daquelas alunas quietas, curiosas, que sempre surpreendem positivamente o professor. Foi pedido à sua turma que escolhesse uma obra entre o século XV e XVIII e escrevesse um artigo. Simone não surpreendeu apenas na apresentação, mas também no texto que escreveu e que graciosamente permitiu que fosse publicado no blog.

AS MULHERES BURGUESAS E OPERARIAS NA OBRA GERMINAL
REPRESENTAÇÕES DAS DIFERENÇAS SOCIAIS.
Simone Ribeiro de Sousa

Resumo: o artigo propõe um estudo, da obra literária naturalista, Germinal (1881), de Émile Zola (1840-1902). Uma das principais obras do escritor, que mostra a realidade dos trabalhadores de uma mina de carvão, no interior da França. Visando entender, o papel da mulher na sociedade francesa do século XIX, através, das personagens femininas do livro. Mostrando o cotidiano das mulheres burguesas, com suas abonanças e ociosidade, representada no livro pela família Gregoire, donos da mina de carvão Voreux, e das mulheres operárias, na sua extrema pobreza e exploração através da família Maheu, na qual o sustento esta no trabalho na voreux. As diferenças sociais gritantes, que geram revoltas e repressões, e concluindo com a mulher minimizada pela sociedade, excluída das principais decisões inclusive da sua própria vida.

Palavra chave: Mulher; Sociedade; Diferenças.

Emile Èdouard Charles Antoine Zola, nasceu em Paris (França), em 2 de abril 1840, e morreu na mesma cidade, em 28 de setembro 1902. Foi o criador do gênero de romance naturalista, influenciando autores muito importantes da literatura em língua portuguesa, como o português Eça de Queirós e o brasileiro Aluísio de Azevedo. Para compor Germinal (1881), trabalhou durante dois meses como mineiro de extração de carvão, Sentiu as dificuldades do trabalho árduo e extenuante das minas, o calor, as moradias insalubres, as doenças e as greves conflitos durante todo o período.

Vivendo nas décadas finais do século XIX, em que a fé no progresso e o culto à ciência imperavam nos círculos intelectuais em nível praticamente mundial, o estilo de Zola decorre a de uma fusão do romance realista de Balzac, Stendhal e Flaubert, baseados na crítica de costumes sociais, com autores da biologia e da medicina, como Darwin e Claude Bernard. Da fusão do realismo com a biologia, Zola criou a escola naturalista, em que a análise social, crítica, do comportamento de seus personagens busca fundamentos no conhecimento científico da biologia de sua época. Assim, as características mais marcantes de sua obra, presentes também nos demais autores naturalistas, como o zoomorfismo, a visão do homem como animal, totalmente guiado pelos instintos, a ação humana influenciada por questões patológicas, e o determinismo pelo meio, sendo o homem um animal como todos os outros, vive em busca de se adaptar ao meio, portanto, o meio é um fator determinante ao comportamento humano, é mais forte que qualquer ação individual.

O livro Germinal se inicia com a chegada de um novo operário Etienne, que esta desempregado, e procura emprego na companhia de mineração, ele se depara com o velho "Boa Morte", apelido dado ao velho Vincent Maheu, por ter sobrevivido a Três acidentes na mina. Este senhor está com 58 anos, sendo que trabalha na mina desde seus oito anos. "Boa Morte", tosse muito, tendo sua saúde totalmente debilitada. Toda sua família trabalha nas minas de carvão, sendo uma "tradição" da família Maheu: seu avô começou com quinze anos.

Etienne se surpreende com o processo de produção, com as precariedades das condições de trabalho, miséria e exploração. Maheu, um dos trabalhadores mais antigo e respeitado, consegue vaga para ele, uma vez que uma operária havia falecido Aqui, todos os membros das famílias trabalham das crianças aos idosos, sendo que o número de salários por pessoa garante o sustento de toda família. Quando alguém morre ou deixa a família é necessário substituí-la imediatamente, para não baixar a renda familiar. Na família só os menores não trabalham (Lénore, 6anos; Henri, 4anos, Alzire, 9anos, por ser enferma) e sua esposa, a qual fica em casa cuidando de Estelle, três meses. Os filhos maiores todos descem nas minas: Catherine de 15 anos, Jealin de 14 anos, e Zacharie, de 21 anos. Eles acordam às 4 horas da manhã, cumprem jornada pesada de trabalho, e mesmo assim, a renda não é suficiente devido aos baixos salários. Essa era a triste realidade da família, neste trecho Zola ilustra o desespero, na esposa de Maheu:

E a mulher de Maheu continuou a lamentar-se, cabeça imóvel, fechando os olhos de vez em quando, à triste claridade da vela. Falou do guarda-comida vazio, das crianças que pediam pão, do café que faltava, da água que dava cólica e dos longos dias passados a enganar a fome com folhas de couve cozidas. (...). Novo silêncio, Maheu estava pronto; ficou imóvel um momento para, a seguir, encerrar a conversa com sua voz profunda: - Que queres? Não há outro jeito, arranja a sopa como puderes. Melhor é ir trabalhar do que ficar aqui conversando. - Claro - respondeu a mulher. - Apaga a vela, não quero ver a cor dos meus pensamentos (ZOLA, 1979, P.25-26).

A Voreux faz parte, das treze minas que ficavam ao redor da região de Monstou. Aqui os operários não sabiam quem eram os donos, porém sabiam que o Sr. Hennebeau era o diretor geral da Voreux. Já o Sr. Grégoire era acionista e herdara da seu bisavô a mina Piolaine, sendo que seu primo, o Sr. Deneulin era o diretor desta. Estes três senhores estavam preocupados com as notícias da economia e da política, as quais estavam afetando seus negócios e com a provável greve que se anunciara. Preocupavam-se porque pertenciam à burguesia detentora de poder e riqueza, os contrastes são revoltantes:

Naquela manhã, os Grégoire levantaram-se às oito horas. De ordinário, só saíam da cama uma hora mais tarde, dormindo muito e com paixão, mas a tempestade os enervara. E enquanto o marido fora logo ver se o vento não fizera estragos, a Sta.Grégoire descera a cozinha em chinelos e roupão de flanela. (...) a cozinha era muito grande e percebia-se a importância que davam a essa peça pelo seu extremo asseio e pelo arsenal de caçarolas, utensílios e potes que a enchiam; cheirava a comidas boas; as provisões chegavam a não caber nas prateleiras e armários. (ZOLA, 1979, P.81-82).

Na sua propriedade os Grégoire moravam em um casarão, com criadagem, cocheiro jardineiro “e como o serviço era patriarcal, de uma pacatez familiar, esse pequeno mundo vivia em harmonia” (ZOLA, 1979, P.82). Tinham uma única filha Cècile de 18 anos, a qual devotava muito carinho. “Ambos se curvaram para contemplar com adoração àquela filha tanto tempo desejada, vinda tardiamente quando não esperavam mais” (ZOLA, 1979, P, 83).

Essa situação de falta de segurança no trabalho, extrema pobreza dos mineiros gera uma greve. “E os estômagos gritavam, e esse sofrimento vinha a aumentar a raiva contra os traidores. - Às minas! Nada de trabalho! Pão!" (ZOLA, 1979, p.339). Na obra, o autor explicita que as mulheres para conseguirem comida, tinham que manter relações com o proprietário do armazém. E quando a greve se inicia, elas invadem o armazém para saqueá-lo. O dono se esconde num telhado, no entanto cai e com tamanha fúria e revolta elas, no ato de barbárie, arrancam-lhe o membro. A insatisfação pelas condições e a penúria são tão extremas que impulsionam os grevistas a inlucidez e a revolta. Em que "as mulheres é que, sobretudo, se exaltavam; a mulher do Maheu fora de si, com a vertigem da fome (...)" (ZOLA, 1979, p. 251) é a que mais impressiona, pela sua garra e determinação, em querer mudar àquela situação subumana e degradante.

As greves, mais do que por maiores salários ou jornadas de trabalhos menores, eram greves pela forma de vida e de trabalho que os operários estavam vendo acabar. A revolução industrial mudou a vida das mulheres agora transformadas em proletárias Para Michelle embora cada vez mais mulheres tomassem lugares nas fabricas cada sexo continuava a ter suas funções, seus papeis, quase que predeterminados “ao homem, as madeiras e os metais. A mulher, a família e os tecidos” PERROT (1988, p.178).

Em toda esta trajetória, Michele Perrot, mostra de forma clara, a dupla discriminação que a mulher operária e esposa sofrem. Se não bastasse perder o emprego para as novas máquinas, a mulher vê o seu marido também perder o emprego e desta forma ela sofre duplamente, pois perde como operária e como esposa/mãe. ”Quando as mulheres entraram em casa com as mãos vazias, os homens as olharam em silêncio e baixaram a cabeça. Era o fim... o dia terminaria sem uma colherada de sopa”. (ZOLA, 1979, p.266)

Não é só a mulher das classes menos favorecidas, que sofrem esta exclusão da vida pública, a mulher burguesa também sai de cena aos poucos. A fábrica sai da casa do patrão, e vai para o subúrbio ou para o interior, a mulher burguesa vai perdendo a liberdade, sendo aprisionada em casa. ”A sta. Hennebeau já estava ficando cansada; a princípio sentira-se bem naquele papel de mostrar bichos, distraída por um instante no tédio do seu exílio”.(ZOLA,1979, p.113). E com normas de comportamento cada vez mais rígidas:

Ela cobre seu corpo segundo um código estrito que a cinge, espartilha-a, vela-a, enluva-a dos pés a cabeça. E é longa a lista de lugares onde uma mulher ‘honesta’ não poderia se mostrar sem se desagradar. A suspeita persegue-a em seus movimentos; a vizinhança, é espiã da sua reputação, até seus criados a espreitam; ela é escrava mesmo em sua casa (PERROT, 1988, p.200).

Sobra-lhe somente às obras de caridade como forma de atividade pública: “Os Grégoire encarregavam Cécile da distribuição de suas esmolas. Com isso pensavam estar inculcando na filha uma bela educação.”. (ZOLA, 1979, p.98)

Até mesmo nos sindicatos, a presença das mulheres, muito comum no início de sua história, é cada vez mais vista pior. O movimento sindical vê no movimento feminino algo desordenado, e que não incorpora a luta de classe, acha que a presença das mulheres, nas greves é perigosa, porque desorganiza o movimento que perde sua força. O que se pretende aqui é exemplificar, não só a mulher dona-de-casa, ou a mulher operária ou ainda a mulher mãe, mas a mulher em todas as suas atividades.

E sua eterna luta, para ter seus direitos de igualdade, garantidos e respeitados.

Referências Bibliográficas:

FARACO. C.E. Língua e literatura. 6. ed. São Paulo: ática, 1986.

PERROT, Michelle Os excluídos da historia: operários, mulheres e prisioneiros. Tradução Denise Bottmann. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. 332 p.

ZOLA, Émile. Germinal. Tradução Francisco Bittencourt. São Paulo: Abril Cultura, 1979. 535 p

Um dia no museu

Denis Aparecido Mendes de Oliveira é aluno do curso de História e desde o ano passado se descobriu um professor apaixonado pela profissão. Sua dedicação esmerada ao curso unida à criatividade artística (Dênis é vocalista da Banda Denis Grillo e Os Gafanhotos) permite que ele tenha um olhar singular sobre a profissão que abraçou e uma postura ímpar diante dos alunos. Em todas as conversas que tenho com ele, aprendo muito e adoraria que ele repetisse a experiência de dar mais aulas que eu pudesse assistir.

Sua participação nas aulas de Patrimônios, museus e arquivos foi intensa. Além de produzir uma aula para os seus colegas e para a turma de primeiro semestre do curso, colocou as reflexões em prática com seus alunos.

O texto que segue é um relatório que ele fez para as atividades culturais narrando a experiência de uma visita ao MIS, Museu da Imagem e do Som.



Um Dia no Museu.
Local:
Museu da Imagem e do som – MIS, Av. Europa, 158 – JD. Europa.

“Entre-Temps” – Obras do Museu de Paris.

Palavras chave: Museu – Educação – Escola – Educador.

Sabendo da visita que faria com a sala da 7ª série do ensino fundamental da escola “Ivone Palma Todorov Ruggieri”, à exposição “Entre-Temps” procurei entrar em contato com a temática abordada pelas obras e fiz algumas leituras para instruir os alunos antes do passeio para aumentar a perspectiva que teriam das obras.

A mostra abrange várias obras de vídeoartistas que imprimiram discussões fundamentais para arte contemporânea como Dominique Gonzalez-Foerster, Philippe Parreno e Pierre Huygue e outros expoentes que emergiram na década de 90.

As obras estão ligadas diretamente a temas contemporâneos como solidão, a ideologia capitalista, depressão, a velocidade do cotidiano, estresse, o medo entre outros.

Os alunos sentiram-se mais nas obras. Há um vídeo, por exemplo, que mostra um homem fazendo Cooper e, o tempo todo, dialoga como se falasse para alguém que o ouve, mas não corre com ele. Passa-nos a impressão da velocidade da vida, de saltos em momentos, da maior atenção ao trabalho do que para família e com minhas interferências, até por compreender também a realidade dos meus alunos, fiz observações que os motivassem a pensar em suas próprias vidas e como tratam seus momentos, se aproveitam realmente suas experiências, logo se identificaram, identificaram seus pais ou amigos.

Ao observar as obras entraram nelas, criticaram, concordaram. Ao sair do museu ficou um sentimento bem diferente de quando saíram, mas como historiador eu tenho certeza de que este fato, aquele momento abriu rupturas positivas na educação e na história individual de cada um.

Porém, o ponto mais fascinante ainda foi o trajeto de ida até o museu. A escola fica numa região muito pobre e o museu no bairro dos Jardins, em São Paulo. Ao verem as grandes casas daqueles bairros nobres por onde passamos, enxergando o contraste social em que vivem, eles se espantaram. Ao saber que eles moram em barraco com seis ou sete pessoas e que, naquelas mansões, muitas vezes moravam um casal de velhinhos, eles sentiram o porquê da expressão artística de maneira crítica e o porquê de tantas obras que mostram normalmente coisas tristes.

Esta visita me deu oportunidade de enxergar muito além da sala de aula ou do museu. A quantidade de informação que jorra sobre nós todos os dias, como bairros que fazem contrapontos imensos em relação à distribuição de renda nacional, podem cada vez mais fazer sentido à medida que os alunos entram em contato com as contradições a partir da ampliação da visão de sua realidade e quando passo a construir aulas que considerem muito mais essas relações sociais tão contrastantes.

Complementando ainda costumo dizer, nesta minha curta carreira de educador (que parece ser promissora), dentro da sala de aula, que estar na escola é entender o ser humano, suas criações e tecnologias. E “Ser” humano é ter sentimentos, distintos, espero sempre considerá-los, respeitá-los, pois, só poderemos diminuir a gama de coisas ruins pelas quais hoje temos que temer, quanto mais lemos, vivemos experiências e aproveitamos delas o máximo podendo construir outra realidade.

O mundo não é cor de rosa estas ações não são fáceis, assim como certa vez ouvi numa peça de Shakespeare: “O mundo não para, para que você recolha os cacos do seu coração”, porém, existe a possibilidade de desmoronar os momentos que esmerilham corações, mas para isso temos que ter em mente “o tempo”. O tempo de observar, registrar e refletir. Acredito que assim podemos tornar algo mais viável, mais possível a realidade do educando fazendo com que haja ferramentas para viver e não sobreviver.

Paulo Freire disse algo simples, porém que ecoa mais que teorias longas sobre a educação e que talvez neste momento para muitos educadores possa fazer sentido, diz assim: “Não há Educação sem amor.”

Pesquisa para toda vida

Mauro Rizo é um daqueles alunos que levou algum tempo para escolher o tema a ser defendido no Trabalho de Conclusão de Curso. E quando o descobriu, se apaixonou. Paixão que envolveu amor e sofrimento. Mauro percebeu que os caminhos que levam à construção de nossa História podem ser revelados por lugares que queremos esquecer, mas que registram nossa memória. Ele decidiu estudar um patrimônio histórico brasileiro, Paranapiacaba, a partir de seu cemitério.

As dificuldades foram enormes, mas o empenho maior. O tema da pesquisa não rendeu apenas um TCC, mas hoje Mauro prossegue suas pesquisas em história cemiterial e criou um blog para divulgá-la.

Biblioteca Mundial Digital

Recebi notícia por e-mail encaminhado por nosso sempre colaborador Marcel Alves Martins e repasso para vocês.
Unesco lança biblioteca mundial digital
Daniela Fernandes

De Paris para a BBC Brasil
A Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) lança nesta terça-feira a Biblioteca Digital Mundial, que permitirá consultar gratuitamente pela internet o acervo de grandes bibliotecas e instituições culturais de inúmeros países, entre eles o Brasil.

Dezenas de milhares de livros, imagens, manuscritos, mapas, filmes e gravações de bibliotecas em todo o mundo foram digitalizados e traduzidos em diversas línguas para a abertura do site da Biblioteca Digital da Unesco (www.wdl.org).

A nova biblioteca virtual terá sistemas de navegação e busca de documentos em sete línguas, entre elas o português, e oferece obras em várias outras línguas.

Entre os documentos, há tesouros culturais como a obra da literatura japonesa O Conde de Genji, do século 11, considerado um dos romances mais antigos do mundo, e também o primeiro mapa que menciona a América, de 1507, realizado pelo monge alemão Martin Waldseemueller e que se encontra na biblioteca do Congresso americano.

Entre outras preciosidades do novo site estão as primeiras fotografias da América Latina, que integram o acervo da Biblioteca Nacional do Brasil, o maior manuscrito medieval do mundo, conhecido como a Bíblia do Diabo, do século 18, que pertence a Biblioteca Real de Estocolmo, na Suécia, e manuscritos científicos árabes da Biblioteca de Alexandria, no Egito.

Até o momento, o documento mais antigo da Biblioteca Digital da Unesco é uma pintura de oito mil anos com imagens de antílopes ensanguentados, que se encontra na África do Sul.

32 instituições

A Biblioteca Nacional do Brasil é uma das instituições que contribuíram com auxílio técnico e fornecimento de conteúdo ao novo site da Unesco.

O projeto contou com a colaboração de 32 instituições, de países como China, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, México, Rússia, Arábia Saudita, Egito, Uganda, Israel e Japão.

O lançamento do site será acompanhado de uma campanha para conseguir aumentar o número de países com instituições parceiras para 60 até o final do ano.

"As instituições continuam proprietárias de seu conteúdo cultural. O fato de ele estar no site da Unesco não impede que seja proposto também a outras bibliotecas", explicou Abdelaziz Abid, coordenador do projeto.

A ideia de uma biblioteca digital mundial gratuita foi apresentada à Unesco pelo diretor da biblioteca do Congresso americano, James Billington, ex-professor da Universidade de Harvard.

Ele dirige a instituição cultural do congresso americano desde 1987 e diz ter aproveitado o retorno dos Estados Unidos à Unesco, em 2003, após 20 anos de ausência, para promover a ideia da biblioteca digital.

"Eu lancei essa ideia e sugeri colocá-la em prática nas principais línguas da ONU, como o árabe, chinês, inglês, francês, português, russo e espanhol", diz Billington.

Ele se baseou em sua experiência na digitalização de dezenas de milhões de documentos da Biblioteca do Congresso americano, criada em 1800.

O objetivo da Unesco é permitir o acesso de um maior número de pessoas a conteúdos culturais e também desenvolver o multilinguismo.

Patrimônio e ideologia

Uma das coisas que mais me fascinam no magistério é poder descobrir em cada aluno sua subjetividade. E a grande mágica acontece quando o aluno e o professor, vinculados pelo desejo de saber, se encontram e brilham juntos.

No primeiro semestre de 2009 tive uma experiência maravilhosa numa turma de 5º. Semestre de História. É uma turma brilhante, viva, muito intensa e criativa. Vocês já leram alguns trabalhos produzidos por alunos desta turma: Marcel, nosso permanente colaborador, Alecos, que possui uma escrita instigante capaz de traduzir com cuidado os desdobramentos de sua inteligência minuciosa, Gideoni Cardoso da Costa, com um olhar criativo e inovador sobre o mundo e Flávia Silva, pesquisadora apaixonada que ainda inscreverá seu nome na historiografia brasileira.

Estes meninos são apenas uma amostra do brilhantismo desta turma. E juntos, vivemos um momento especial. Uma das aulas que realizamos neste semestre foi sobre globalização e regionalismo, diante da sociedade do espetáculo. E esta aula mexeu com todo mundo. Mas um par de olhos vivos me chamou atenção. Rutimiriam, sempre muito atenta, mas quieta, logo se manifestou encaminhando-me por e-mail um texto cheio de idéias que foram além do conteúdo que tivemos condições de discutir em 90 min.

O conhecimento em construção é assim...permanece para além da aula e lá fora cresce, toma corpo. E Rutimiriam deu corpo às nossas discussões.

Pena que aqui não há imagem de seus olhos. Porque o saber só faz sentido quando toca, pois só quando toca transforma. E como brilham os olhos desta menina!

Abaixo, segue a generosidade que teve ao compartilhar o texto de sua avaliação conosco.

Relação Ideologia X Patrimônio Cultural
Rutimiriam Ferreira Porto Costa


“Sociedade propriamente histórica” segundo Marilena Chauí, é o termo que identifica uma sociedade específica que desenvolveu ao longo de sua existência, ferramentas para controle de massas, por meio da Ideologia. Essa Ideologia não exerce controle específico do dominante para o dominado, ela necessita de uma adesão total de crenças já que a divisão ideológica feita, não está centrada na divisão de trabalho ou financeira dentro daquela sociedade, mas ela deve representar uma divisão universal, ou seja, aquela determinada cultura, aquele determinado país torna-se a referência do que há de melhor para ser seguido. Mas não basta implantar um modo de pensar e viver só aparente, é assim que deve viver também a sociedade que a implanta. Nicolau Sevcenko(1999, p.123) cita dados concretos sobre a interatividade dos americanos com os meios visuais interativos “Vinte e três milhões de americanos estavam conectados com a rede em 1998, com as adesões crescendo a cada dia. Em meio a esse turbilhão de imagens, ver significa muito mais que acreditar.”

A justificativa para que vários povos de diversas culturas acreditem e aceitem como verdade que seu bem estar e seu progresso estejam vinculados a similaridade aos padrões de comportamento e consumo dos países mais ricos, foi desenvolvida por várias gerações que se moldam e se mascaram apoiadas em explicações míticas ou teológicas sobre sua origem e permanência, atribuindo-se a si mesma autoridade e poder.

Isso só é possível porque segundo Marilena Chauí (1981, p. 19) “o campo da ideologia é o campo do imaginário, não no sentido de irrealidade ou de fantasia, mas no sentido de conjunto coerente e sistemático de imagens ou representações tidas como capazes de explicar e justificar a realidade concreta.”. Esse sistema é elaborado para ocultar o domínio de um grupo social sobre o outro e esconde-se e fortalece-se sob a imagem da globalização, ou seja, todos devem ter acesso às novas ordens mundiais para que possam fazer parte dela.

As diversas formas de mídias e a informatização bombardeiam as sociedades pelo mundo todo com sua ideologia através da “Indústria Cultural” que é o meio para realização da cultura dominante. Mas não seria possível tal efeito caso houvesse por parte das sociedades que não as dominantes, o reconhecimento de que seu próprio Patrimônio Cultural lhes basta e que é possível tirar dele os subsídios para manutenção de sua existência futura dentro das suas reais e particulares necessidades, e não as que são ditadas pelo modal. O Patrimônio Cultural de um povo está ligado a sua identidade e interesses, e por temor a essa identidade é que a ideologia prega a descartabilidade e a renovação, seja de imagens como as das igrejas, monumentos, literaturas, caminhos, heróis, enfim tudo que possa lembrar o momento de unificação daquele povo ao longo da sua história, esses símbolos devem parecer obsoletos e ultrapassados dando lugar ao “atual”.

O pensamento, que é a maior área de atuação da ideologia deve ser mudado e adequar-se ao pensamento global através da alienação. Marilena Chauí defende que uma poderosa arma contra os discursos ideológicos seria o contradiscurso, não no sentido de preencher as lacunas em branco deixadas por ele, mas encontrar pontos divergentes em si. É nesse ambiente de distorções e disfarces que se concretiza o imperialismo. Um contradiscurso poderia encontrar bases a partir da apropriação e conscientização de cada comunidade de seu Patrimônio Cultural. O sentimento de identidade e de cidadania estaria fortalecido e questionaria a autencidade de documentos e monumentos utilizados pelos outros Estados. Em contraposição ao que deve ou não entrar em desuso, mantêm-se os registros e monumentos da historiografia da “sociedade propriamente histórica”, aquela responsável pelo desenvolvimento da humanidade, segundo Le Goff em suas diversas formas, seja pela arquitetura, escultura ou como documento histórico escrito, os documentos servem de testemunho do poder. Esse poder objetiva ficar registrado na memória coletiva a fim de permanecer e mostrar às gerações futuras sobre sua existência, e, mais que isso, avisando e instruindo as massas sobre sua força.

Outro artifício é o discurso para as massas onde se ignora o individual. Esta é uma questão importante a refletir. O indivíduo na sociedade atual não existe, o que existe é a busca de um espelho para que ele possa escolher com quem mais se identifica, ele busca seu eu no outro para que possa encaixar-se em algum nicho. Em sua obra “Sociedade do Espetáculo”, Guy Débord percebe que essa projeção da imagem transforma o cotidiano em cenas de um Espetáculo, onde as pessoas escolhem atuar na vida real desempenhando um determinado papel estabelecido de acordo com suas possibilidades de consumo. Existe então uma confusão do real de fato que se transforma em realidade condicionada, repetida e divulgada inconscientemente. “O espetáculo – diz Débord – consiste na multiplicação de ícones e imagens, principalmente através dos meios de comunicação de massa, mas também dos rituais políticos, religiosos e hábitos de consumo, de tudo aquilo que falta à vida real do homem comum: celebridades, atores, políticos, personalidades, gurus, mensagens publicitárias – tudo transmite uma sensação de permanente aventura, felicidade, grandiosidade e ousadia. O espetáculo é a aparência que confere integridade e sentido a uma sociedade esfacelada e dividida. É a forma mais elaborada de uma sociedade que desenvolveu ao extremo o ‘fetichismo da mercadoria’ (felicidade identifica-se a consumo). Os meios de comunicação de massa são apenas ‘a manifestação superficial mais esmagadora da sociedade do espetáculo, que faz do indivíduo um ser infeliz, anônimo e solitário em meio à massa de consumidores’.”

Enxergar-se enquanto indivíduo pertencente a uma realidade regional e distanciar-se do ser consumidor globalizado torna-se uma possibilidade cada dia mais distante, porque o que a grande massa tem como projeto de futuro está desenhado a partir de estéticas preestabelecidas e negá-lo causaria uma perda de referências, esse vazio precisaria ser preenchido com uma nova imagem, mais independente, mais autêntica, mais concreta, mas onde ela está? Em suas memórias culturais? Talvez.

Gilmar de Carvalho, um pensador das produções do povo nordestino, expressa esse desejo falando de raízes, “Viemos do sertão. Essa negação problemática é responsável por muitos traumas. Queremos deixar de ser caboclos e assumir novos códigos, na marra. Fomos ingleses no tempo da Casa Manchester. Passamos para a França com a bandeira tricolor dos paquetes da Boris Frères. Durante a Segunda Grande Guerra, fomos invadidos pelos norte-americanos que até hoje não saíram daqui e trouxeram uma bebida gasosa, cuja fórmula de fabricação é guardada a sete chaves. Pior: trouxeram um estilo de vida e uma visão de mundo. Muitos ainda se deslumbram com o império hegemônico que dá visíveis sinais de decadência. O sertão se degrada na periferia da cidade. Esse desgaste se acentua com a pauperização das manifestações culturais vindas na bagagem dos migrantes.” Ele completa seu protesto com um saudosismo das quadrilhas e pastoris já extintos, e encerra com as palavras que não há como substituir e nada melhor para concluir: “E assim caminha a Humanidade. E assim vamos levando tudo isso, rindo da própria desgraça, legitimando o que não merece e levando a sério o que deveria ser objeto de escárnio.”

Bibliografia

CHAUÍ M. Cultura e Democracia: o discurso competente e outras falas.2ed.São Paulo: Moderna, 1981.220p.

CARVALHO, G. Ofícios, tradição e gambiarra. Disponível em: http://angelica.hoeffler.zip.net/arch2008-03-09_2008-03-15.html. Acesso 30 mar.2009.

DÉBORD, G. Sociedade do Espetáculo. Disponível em: http://www.cisc.org.br/portal/biblioteca/comentariosociespetaculo.pdf. Acesso 30 mar.2009.

LE GOFF, J. História e Memória. Tradução Irene Ferreira.al. 2ed.Campinas:UNICAMP, 1996.554p.

SEVCENKO, N. A corrida para o século XXI: no loop da montanha russa. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

Patrimônio imaterial

Em 2005, tive o privilégio de conhecer uma das turmas mais criativas e revolucionárias para a qual já lecionei. Alunos e alunas inquietos, criativos, competentes para planejar e por em prática o que acreditavam como proposta de educação e de vida. Foi nesta turma que conheci Thiago Fijos, "menino" que comparecia às aulas de bermuda e skate e que muitas e muitas vezes superou todas as expectativas (grandiosas) que eu tinha em relação a seu grupo e a ele. Não dá pra dissociar Thiago de sua vida como capoerista. E um dos trabalhos que pedi que fizesse, nas aulas de Museologia e Arquivologia sobre Patrimônio, ele escreveu uma belíssima monografia, de pesquisa ímpar sobre o tema. Até hoje tento convencê-lo a transformar o trabalho num mestrado. Hoje Thiago Fijos é licenciado em História, leciona na rede pública estadual de São Paulo e é estudante de Ciências Sociais. Há um ano, ele e sua turma revolucionaram a universidade em que estudaram com uma Semana da Consciência negra inesquecível, que contou com grupo de Maracatu, palestras sobre Candomblé e, como não poderia deixar de ser, um grupo de capoeira do qual Thiago faz parte.


Muito generoso, Thiago redigiu o texto que segue para publicá-lo neste blog. É só uma amostra da rica pesquisa que ele empreende.

Capoeira Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro
por: Thiago Fijos de Souza


Meio milênio depois de sua avassaladora força de resistência, ao sistema escravista, a capoeira finalmente é reconhecida como Patrimônio Cultural Imaterial[1] Brasileiro.

Batizada posteriormente as suas efetivas atividades, em meados do século XVIII, a capoeira teria se materializado aqui, nas terras do além mar, no início do século XVI com a chegado dos primeiros africanos, os quais não dispunham de armas alguma para enfrentar o covarde empreendimento europeu, a escravização do “outro”, nos quais os povos autóctones do novo mundo, além dos africanos, não escaparam das atrocidades impostas pela ocupação e exploração européia.

É dentro deste contexto que o corpo do oprimido vai tornar-se arma, pois este é seu único recurso imediato para enfrentar o poderio bélico europeu. A prática da luta corporal negra nunca foi tolerada durante todo o período escravista, tendo que se camuflar de várias formas para continuar existindo. As concepções periculosas da luta adentram o período da República Velha (1889-1930), nas quais a população excluída dos postos de trabalho, após a abolição da escravidão (1888), continuou utilizando a luta, sua astúcia e malandragem para subsistir dentro da complexa política instituída no Brasil depois da Proclamação da República (1889), em que o negro, apesar de liberto, não foi inserido como cidadão e continuou fora dos planos da elite nacional. Isso veio a provocar cicatrizes até nossos dias.

Ainda no século XIX a capoeira ganha oficialmente o título de crime com o vigor do código penal de 1890:

“Fazer nas ruas e praças publicas exercícios de agilidade e destreza corporal conhecida pela denominação capoeiragem acarreta pena de prisão celular de dois a seis meses; sendo circunstância agravante pertencer a alguma malta ou bando; aos chefes ou cabeças seria imposta pena em dobro ; os reincidentes podem ter uma pena de ate três anos; se o capoeira for estrangeiro, deveria ser deportado após cumprir pena.” (CAPOEIRA,2001,p.43).

Talvez este tenha sido um dos períodos mais contraditórios da história da capoeira, pois apesar de perseguida e criminalizada ela também foi muito utilizada por partidos políticos e pela elite brasileira:

“Capoeiras e capangas eram tradicionalmente usados também por políticos e poderosos em geral como instrumento de justiça privada’’(...) “Muitos capoeiras integram a Guarda Negra que dispersava comícios republicanos. A própria policia fazia uso deles como agentes provocadores ou informantes” (CARVALHO, 2004,p.155)

Esta conotação subversiva da capoeira iria se alterar após o golpe de Getulio Vargas (1930), que vai promover a capoeira como um esporte nacional, através da metodização da capoeira de Mestre Bimba (Manoel dos Reis Machado, 1900-1974), na qual passa a chamar-se Luta Regional Baiana, e por incrível que pareça, no Estado Novo (1937-1945), a capoeira passa a ser ensinada nas forças armadas brasileira. Mas a capoeira primitiva não deixa de existir, e ainda carregando o estigma marginal, a Capoeira Angola recusa os métodos propostos por Bimba e continua a ser praticada livremente, no sentido do seu desenvolvimento intuitivo e natural, tendo a frente Mestre Pastinha (Vicente Ferreira Pastinha, 1899-1981). Estes dois nomes citados são dois dos grandes homens que marcam a história da capoeira, muitos mestres contribuíram para a construção da luta e do titulo por ela atribuído no dia 15 de Julho deste ano, porem se nos atrevêssemos a citar mais nomes nunca contemplaríamos todos os construtores dessa herança cultural, assim como o breve histórico da própria capoeira descrito nestas poucas palavras, no mais todo brasileiro tem um pouco de capoeira, a miscigenação nos proporciona esta virtude e a riqueza do ritmo, do molejo, da criatividade, da estética, da coragem e da brasilidade do povo mais heterogêneo do mundo.

Portanto a arte da capoeira supera o preconceito após 500 anos de existência, onde participou ativamente da história do pais, nas rebeliões populares, nos redutos quilombolas, na luta por condições de sobrevivência, nas quais a luta libertadora, consciente e educadora, hoje , com merecimento a conquista do titulo de Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro.

BIBLIOGRAFIA:

BIMBA,Mestre. Curso de Capoeira Regional. RC Discos/Fitas Salvador. (?)

CAPOEIRA, Nestor. Os Fundamentos da Malicia. 7.ed.. Rio de Janeiro: Record, 2001.

CARVALHO, José Murilo de. Os Bestilizados: 3. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

GARCIA, Victor Alvim Itahim. Historias e Bravuras de Besouro : O Valente Capoeira . Rio de Janeiro: Abada Edições, 2006.

PINSKY, Jaime. A Escravidão no Brasil. 12.ed. São Paulo: Contexto, 1993.

PRADO JÚNIOR, Caio. Evolução Política do Brasil. 16.ed. São Paulo: Brasiliense, 1987.

REGO, Waldeloir. Capoeira Angola: Ensaio Sócio-etnografico. Bahia: Itapuã,1968.

SOFFIATI NETTO, Aristides Arthur. Como proteger os bens imateriais? Disponível em: http://www.geocities.com/lagopaiva/comoprot.htm. Publicado em 27 ago. 2000

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[1] O patrimônio imaterial é subjetivo e intangível,”1. dos saberes (conhecimentos e modos de fazer enraizados no cotidiano das comunidades); 2. das celebrações (rituais e festas que marcam a vivência coletiva do trabalho, da religiosidade, do entretenimento e de outras práticas da vida social); 3. das formas de expressão (manifestações literárias, musicais, plásticas, cênicas e lúdicas); 4. dos lugares (mercados, feiras, santuários, praças e demais espaços onde se concentram e reproduzem práticas culturais coletivas).” (SOFFIATI NETTO) Os parâmetros citados são uma simplificação do artigo 1 do Decreto 3551. de 04 de agosto de 2000, onde se redefinem os conceitos que definem o Patrimônio Imaterial Brasileiro.

Bestializados

Em novembro de 2008, por ocasião das comemorações da Proclamação da República, os alunos do curso de História monitoraram uma exposição criada por eles sob a coordenação da Profa. Lucirene Caragnato sobre a República Velha. Turma criativa, inquieta, produziu textos a partir de diferentes linguagens (sons, fotos, palavras, notícias de jornal...). O resultado foi a inquietação que sente o visitante quando sai da exposição pensando como tudo o que aconteceu na República Velha é tão atual.

Para representar esta turma, convidei nosso sempre brilhante colaborador, Marcel Alves Martins, para publicar o texto que redigiu e que está logo à entrada da exposição. Com isso, quero parabenizar a turma e a professora e trazer aos leitores deste blog um pouco das questões levantadas pelo trabalhos dos queridos e queridas do curso.

E nós, continuamos “bestializados”?
Por Marcel Alves Martins

“Glória à Pátria! Honra aos heroes do dia 15 de Novembro de 1889”. Eis as manchetes do dia seguinte à queda da Monarquia. Que heróis? Uma ala militar, que apressa a derrocada da Monarquia, já decadente, com um “desfile” ao qual o povo assistia bestializado, mostrando qual era a posição do mesmo no ato da Proclamação da República.

Constituída a República, tudo resolvido, afinal ela trará todas as soluções para os problemas encontrados no Antigo Regime com a “Ordem” e o “Progresso”. Mas que República? Qual o projeto de país pretendido por aqueles que fizeram a proclamação? Não sei. Mas o certo é que a república dos militares é distinta da república da burguesia cafeeira de São Paulo, que por sua vez é diferente da república do restante da população.

Qual República temos hoje? Também não sei, até parece que continuamos a assistir “àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava (e o que significa)”. Ao que tudo indica, e todos falam, esta cena continua a repetir-se sem que haja qualquer tipo de reação e/ou reivindicação, na medida em que insistimos em não participar da construção histórica de nosso país.

Será? O fato é que no ato da Proclamação o povo não teve participação, mas quem disse que, na construção daquilo que chamamos República, esse povo não foi agente desta história? Seria uma inverdade afirmar o contrário!

Ainda que alheia à proclamação da República, o que foi feito pelos militares, esta população foi de fundamental importância para os fatos seguintes. Quase sempre apresentada como massa homogênea e disforme, como povo, sem identidade e dignidade, os brasileiros estiveram muito longe disto. São gente, são pessoas, que vão à luta, mesmo no anonimato, para construir um país, para construir-se como gente, buscando dignidade.

Seja num Belo Monte com bons conselhos contra a República opressora ou na Contestação do avanço do capital estrangeiro opressor, seja na longínqua Juazeiro com os fiéis de meu “padinho” ou nas grandes cidades, por meio das lutas operárias por melhores condições de trabalho e salários dignos; seja com João Cândido contra a chibata ou com os cariocas contra a vacina.... São homens, mulheres, imigrantes, no campo ou na cidade, com religiosidade ou sem, que buscam uma Res – pública, uma coisa que seja de todos e para todos; que ela dê dignidade, preserve os direitos, puna as injustiças e preze pelo bem de todos.

Pergunto-me se hoje também não é assim. Nas “Marias” e “Josés” que saem para a labuta, na busca de melhores condições de vida, na defesa dos que são excluídos, nas reivindicações e nas indignações com a situação que está posta, mas que não é eterna. A luta é a mesma, buscamos construir uma República que seja de fato de todos, lutamos contra os abusos no anonimato, à surdina, mas nunca mórbidos, atônitos e surpresos.

Tanto lá quanto aqui lutamos, participamos, buscamos ser agentes da história, na construção de um país, ou pelo menos na organização de um projeto de país. As situações mudaram, mas a luta continua viva e a resistência parece correr nas veias. Mesmo sendo apresentados como massa, como povão, nós estamos aí, buscando dignidade, identidade; homens, mulheres, imigrantes... o processo ainda não parou!

Cabe agora uma pergunta:

E você, continua bestializado?!