quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Blog de Lingua Portuguesa

Queridos e queridas,

A Profa. Eleandra Lelli criou um blog para divulgar textos e discussões a respeito da Lingua Portuguesa. Confiram!

http://blogdaprofessoraeleandralelli.blogspot.com/

Utopia da educação 7

Utopia da Educação
Lauber Machado


A Utopia é a teoria de um estado perfeito, onde todos vivem em harmonia e trabalham pelo bem comum. Essa ilha imaginaria foi relata por Thomas Morus no século XVI e até hoje ainda se busca o modelo de sociedade ideal.

Como seria a Utopia da Educação, o modelo ideal que atinja todas as expectativas esperadas na educação, no ensino escolar, levando em consideração o modelo de sociedade que temos hoje. Vou relatar como seria uma instituição de ensino que atingi todos os níveis educacionais esperados por nossa sociedade.

A Felix
Felix (significa feliz em Latim), é uma instituição de ensino publica onde todos são responsáveis pela sua conservação.

Na Felix a parte administrativa trabalha junto com a pedagógica, onde não existe hierarquia, a forma de gestão predominada é a horizontalidade. Ela tem maior autonomia com formas de administrar mais flexíveis onde o professor também é um gestor no processo educativo. Ela tem a autoridade com base na competência de todo os envolvidos na gestão da escola antes que pela lei, com isso os seus interesses não ficam barrados em questões burocráticas.

O professor na Felix não é um simples transmissor de conhecimento, ele é um produtor de conhecimento ou um mediador dele, ele aprende junto com o aluno, buscando o seu desenvolvimento. Mas ele não trabalha isoladamente, sempre procura discutir com seus colegas de profissão para que juntos busquem soluções para os problemas comuns.

A Felix é uma organização construída socialmente, é aberta para o mundo exterior mantendo uma relação com a sociedade para resolver problemas comuns entre todos, onde as decisões não se separam, ficam no mesmo nível. Dessa maneira consegue fazer com os pais dos alunos fiquem sabendo do desenvolvimento dos seus filhos. Os pais vão sempre a escola conversar com os professores, ver se existe alguma dificuldade que possa ser resolvida por eles. Mas o papel dos pais começa mesmo antes dos filhos terem idade suficiente para entrar na Felix, ainda crianças os filhos já recebem apoio dos pais, com leituras e programas culturais. A Felix disponibiliza livros infantis que são de toda a sociedade e quem pega um livro tem um prazo para devolver, e deve devolver no mesmo estado que pegou, ao contrario terá que pagar pelo dano, e esse dinheiro é destinado na compra de mais livros. Foi uma formar eficiente que a Felix encontrou de conservar melhor seus livros e ampliar sua biblioteca, com isso, é sempre alto o desempenho dos alunos da Felix.

A Felix sempre busca formar cidadãos ativos, com consciência social, com habilidades cognitivas para pesquisar, escolher, desenvolver idéias próprias etc. Alem de tudo ela prepara o aluno para o mercado de trabalho com capacidade de ajustar-se a novas situações. Nela tem pessoas te todos os tipos, tanto social como cultural, com isso ela não padroniza as atividades, pelo contrario, ela incentiva o trabalho em equipe promovendo oportunidades variadas.

Esse bom desenvolvimento dos alunos esta ligado ao professor, a Felix da um grande suporte aos professores e os alunos só aprendem bem com professores que aprendem bem, porque sem ele não é possível fazer nenhuma inovação nessa instituição, tudo que a Felix faz passa pelo professor. Dessa maneira o professor da aula daquilo que produz não daquilo que copiou, porque quem não pesquisa não tem nada para ensinar. Com isso os professores são valorizados, podem contar com a instituição no momento que precisarem, são verdadeiros pesquisadores.

Todos os envolvidos na gestão e administração educacional da Felix dividem responsabilidades, conjugam esforços, criam condições favoráveis nos procedimentos educacionais, através de planejamentos, avaliando constantemente as ações desenvolvidas, buscando melhoria por toda a instituição.

O resultado disso é uma sociedade mais humana, que se importaria com o próximo, mais justa, sem individualismo, todos trabalhariam pensando no próximo, porque só se consegue o bem que faz o bem.

Utopia da educação 6

Queridos e queridas,




Das Terras de Paideia
Priscila Miranda Caetano

Um dia levantei sedento de novas aventuras, sempre fui peregrino, nunca tive casa minha, nem nunca me apeguei a nada desta vida. Sempre olhei o mundo ao meu redor e nunca me conformei com a desigualdade, ricos cada vez mais ricos, pobres cada vez mais pobres, o egoísmo humano alcançando níveis inimagináveis, cada um se preocupa apenas consigo mesmo e com seus próprios interesses, decidi me afastar de tudo, resolvi me isolar do mundo.

Cheguei ao porto de Santa Luzia e logo avistei um barco velho, todo desgastado, mas algo de muito especial senti naquela modesta embarcação, curioso comecei a me aproximar e logo veio ao meu encontro um homem de barbas cumpridas, semblante cansado, mãos e pés calejados, mas com um belo sorriso no rosto.

- Posso ajudá-lo?

Atônito com a estranha alegria do velho mal consegui pronunciar palavra e ele continuou...

- Por que estás tão assustado? Tenho boas novas para você. Já o esperava, nossos destinos estão ligados, temos uma longa jornada pela frente, entre logo precisamos partir...

Confesso que a primeira vista acabara de encontrar o sujeito mais maluco que já cheguei a conhecer, mas a sua loucura me pareceu tão convicta e racional que sem pensar entrei...

Começamos a navegar e enfim consegui dizer minhas primeiras palavras...

- Para onde estamos indo?

- Pensei que não me perguntaria nunca! Exclamou o velho homem... Estás à procura de aventura? Pois terás a sua aventura... Estamos indo a uma terra nunca antes conhecida, tão distante quando o final de tudo... Uma ilha de beleza incomparável e habitantes interessantíssimos.

Depois de meses de viagem, finalmente avistamos a ilha, ao nos aproximarmos muitas pessoas vieram à praia nos receber. A Ilha se chamava Paideia, era realmente fascinante a beleza do lugar, mas o que mais me impressionou foi a calorosa recepção.

Ao chegarmos à cidade chamada Das Cachoeiras, fomos levados até o prefeito, que prontamente nos recebeu. Descobri então que o velho do barco era um paideiense, o prefeito o cumprimentou com muito respeito e pediu-lhe que apresentasse a sua visita.

- Este é o homem escolhido pelo destino para contar ao mundo nossa história, enfim o encontrei!

- Que notícia maravilhosa! Exclamou o prefeito em grande vibração...

- De que destino falas? Que história é esta?

- Calma meu jovem... Terás muito tempo para descobrir este lugar! Respondeu-me o prefeito com um enorme sorriso...

Saindo da prefeitura, comecei a passear pela praça da cidade, avistei logo um grande parque com muitas crianças brincando e espaço muito amplo onde os jovens praticavam todos os tipos de esportes.

O velho então me contou que aquele era o horário de lazer para os habitantes da cidade, o fim de semana era sagrado para eles, descansavam e procuravam praticar esportes, pois o corpo era considerado o bem material maior. Ninguém trabalhava mais do que era necessário, todos viviam muito bem.

Quando o indaguei sobre a tal história que a pouco falara, história que já despertava minha curiosidade de uma maneira muito forte.

O velho começou então a falar...

- Há três décadas, Paideia vivia em caos total, os políticos corruptos se proliferaram no poder, instruídos por um único homem, que chegou a Paideia com boa oratória e grande carisma, conquistando a todos com suas palavras. Descobrimos tarde demais que eram palavras vazias, jogadas ao vento, sem nenhuma verdade ou lealdade. Desenvolveram um sistema político de fachadas e manipulações, nomeando ministros preocupados apenas com seus cargos e o quanto poderiam ganhar com eles. Entre estes ministros, o pior de todos foi o da Educação, ele instituiu nas escolas um sistema de gestão e metodologia ditatoriais e totalmente sem base educativa. Diminuíram o salário dos professores, diretores e funcionários, atando-lhes as mãos com conteúdos prontos e os proibindo-lhes de sair do “programa” instituído por estes homens. Isto para nós significou a grande ruína, sempre aprendemos que o conhecimento é poder, que o conhecimento é liberdade, o produto de tudo isto foi enfraquecimento e escravidão.

A alienação tomou conta das pessoas, que para sobreviverem trabalhavam muito e ganhavam pouco, os mais desafortunados nem trabalhar conseguiam e a nossa sociedade mergulhou na fome e na miséria.

As faculdades eram apenas para os ricos que descendiam ou tinham alguma ligação com a política. As vagas públicas foram restringidas por meio de processos seletivos de nivelamento muito acima do que ofereciam nas escolas, assim somente os que tinham educação particular na maioria das vezes ocupavam as vagas. Nosso povo era destruído aos poucos, recebiam migalhas e não conseguiam exercer com valor a democracia que naquele momento tinha sentido oposto, significava prisão.

- Mas o que aconteceu? Como superaram essa realidade? Perguntei ansioso...

- Nenhuma mudança acontece se as pessoas não reagirem, dizem que as grandes revoluções partiram de iniciativa estudantil... Alguns jovens pobres freqüentadores dessas escolas resolveram se manifestar, liderados por um homem de trinta anos chamado Petter. Uma grande comitiva saiu às ruas para protestar, pararam seus afazeres e começaram a discursar nas praças, a chamar a população para refletirem sobre sua realidade, para unirem-se e exercerem com competência seu direito a democracia e a liberdade. A popularidade desse grupo tanto cresceu que nas eleições seguintes, lançaram Petter candidato, sua vitória foi esmagadora e novamente a população saiu pelas ruas agora para levá-lo até a prefeitura e ver sua posse.

- Mas depois que se apossou do cargo não se acomodou também? Perguntei desconfiado...

- Muito pelo contrário, a primeira coisa que fez foi acabar com o sistema de conteúdos prontos e padronizados nas escolas. A segunda foi aumentar significativamente os salários de todos os membros da escola, valorizando a profissão de professor como deve ser valorizada, já que ensinar é tarefa acima de tudo nobre. Motivando assim os funcionários e eliminando os acomodados que não tinham compromisso com a educação de qualidade. A terceira e não menos importante foi promover um grande evento para reunir os alunos e os que tinham se afastado da escola para a inauguração do Dia do Saber, data que se tornou feriado nacional, comemorado todos os anos com muita festa e atividades educativas de todas as espécies. Neste grande evento, muitos mestres de todos os campos de conhecimento palestraram sobre temas universais, sobre conceitos que todos a partir daquela data deveriam adotar, estavam todos finalmente livres!

Depois daquela data histórica, passamos a viver de fato a liberdade que ansiávamos e pela qual lutamos bravamente. Nas escolas, os professores usavam de diversos métodos para trazer à realidade de seus alunos todos os conteúdos que aprendiam, passaram a promover fóruns de debates sobre política, economia, ciência, meio ambiente etc. Todos tinham direitos iguais e eram motivados a desenvolver seu pensamento crítico, a pensar na sociedade em que estavam inseridos e o que poderiam fazer para melhorá-la sempre.

Todos passaram a conhecer a si mesmos e a suas realidades, conquistaram o poder de pensar, de saber e de ansiar por conhecer mais, por aprender com tudo o que estava ao seu redor.

A partir desta data, os lazeres voltaram para o cotidiano das pessoas, aos finais de semana todos procuramos praticar esportes, freqüentamos também teatros, cinemas e shows, que estão ao alcance de todos.

Quando a semana começa, o estudo é a primeiro dever e o maior dos direitos, o tempo de estudo e trabalho são balanceados de maneira a ressaltar a importância de ambos, ninguém trabalha por um tempo que o faça se cansar para os estudos e ninguém estuda por tempo exagerado que o faça sedentário. Muitos cidadãos que tinham abandonado a escola por motivos diversos, depois disto voltaram para as escolas e eram incentivados a conhecer, eram ensinados que o conhecimento os tornava livres e prósperos, que os capacitava para trabalhar e para viver com qualidade e mudar seus próprios destinos.

- Que incrível... Suspirei emocionado...

Depois de ouvir esta história e de passar alguns maravilhosos meses em Paideia, estou agora a escrever não simplesmente sobre o que os meus ouvidos ouviram daquele modesto senhor, mas relato-vos o que contemplei, tive a certeza que a maior realização de um povo é a Educação, passei dias inteiros refletindo sobre o porquê “minha terra” também não pode experimentar essa revolução, abrindo suas mentes para viverem a vida plenamente, o homem existe para pensar, isto o diferencia do resto dos animais, fomos criados para mudar o mundo, fomos criados para crescermos e atingirmos nossos ideais.

O conhecimento é poder, precisei ir longe para enxergar o resultado disto, numa sociedade onde o saber é valorizado, onde o expressar-se é direito de todos, onde a manipulação não cega as pessoas, onde a democracia funciona, onde todos têm a visão da posição que podem atingir e o que precisam fazer para isso, num lugar onde a acomodação não é proliferada, onde os “panos quentes” são tirados, onde o ensinar e o aprender são valorizados, onde não há conformismo, onde há esperança de um futuro diferente, onde existe ideal e luta, neste lugar há liberdade, há plenitude, há homens e mulheres que encontraram sua verdadeira essência, seu verdadeiro sentido de viver, sua real identidade.

Das terras de Paideia voltei para mudar, trazer até o maior número de pessoas o verdadeiro conceito de Educação, de conhecer a si e ao mundo, de encontrar um sentido para sua própria existência, de lutar por seus direitos e cumprir seus deveres, de abandonar a visão de que não existe mais solução para a “coisa”, de que tudo é perdido. A Educação transforma, o conhecimento é liberdade e o pensar é o caminho! Esta é minha missão...

Utopia da educação 5

TUDO PODE MUDAR, BASTA QUERER!

Elisabete

Tudo começou em uma linda manhã de segunda-feira.

Lá estava eu, uma garotinha desengonçada, de 11 anos, acordando com o som do meu despertador, eram seis e meia da manhã.

Não acreditei que a noite tivesse passado tão rápido. Veio a mente Dona Enriqueta, logo ela na primeira aula desta segunda-feira. Dona Enriqueta era bem velhinha, com óculos fundo de garrafa, quase ceda coitada, com um birote enorme em sua cabeça branca, muito chata, desatualizada, desde que a conheci na 4ª série ela insiste em dar o mesmo conteúdo, só que agora já estou na 6ª série e continuo vendo “oxítona, paroxítona, proparoxítona, ditongo, hiato...”, e nem se quer nos passou as mudanças ortográficas que foram implantadas no início do ano...

Não bastando a chatice de suas aula, sua tirania era total, nem os mosquitos se atreviam a entrar na sala, o silêncio era total, parecia até que ouvia nossa respiração.

Na hora do intervalo era outra tortura, crianças se espancando, xingando-se, correndo, derrubando nossos lanches, nos empurrando, eu odiava, me escondia em um cantinho bem escondido atrás do ginásio para comer e não ser perturbada.

Nesta escola não há organização, na secretaria ninguém informa nada, pois sabem menos que nós.

Os muros, paredes, portas e janelas, já faz tempo que não vêem um tinta, os portões de entrada todos enferrujados e mau fecham direito, possibilitando a fuga dos mais levados por entre as frechas.

Organizando meu material, lembrei-me que no segundo período terei aula de geografia com o professor Adolfo, um pobre coitado, embora carregue diversos diplomas nas melhores universidades do país, ninguém o respeita, isto porque ele é muito “bonzinho”, todos o satirizam fazendo a continência de nazismo, (“Adolf Hitler”), ele não entendia nada e ainda acha engraçado.

É impossível fazer anotações em sua alma, todos conversando, rindo, jogando papeizinhos e giz uns nos outros, mesmo para nós que sentamos nas primeiras carteiras.

Acabei de arrumar minha mochila e fui à escola, com uma vontade enorme de sumir, mas não podia, meus pais me matariam, com certeza ficaria um bom tempo de castigo...

Distraída com meus pensamentos, tropiquei em uma raiz enorme que havia trincado a calçada. Segui-a com os olhos para saber a qual das árvores pertencera tão grande raiz.

Não demorou muito, logo a avistei, ela era linda, gigantesca, sua copa sumia entre as nuvens.

Senti-me atraída por aquele ser tão exuberante, fui direito ao seu encontro.

Quando fiquei embaixo da árvore, meus olhos não acreditavam no que viam, era muito mais bela, suas folhas e flores tinham cores muito vivas, seu tronco era muito grosso, tentei abraçá-la com meus braços tão pequeninos, mas para poder completar a circunferências, precisaria de mais uns 15 pares de braços.

Ao encostar o meu rosto em seu tronco, ouvi barulhos, vozes, risadas e percebi que viam de dentro da árvore, bati no tronco e percebi que este era oco, comecei a circular à procura de uma entrada, mas parecia que nunca conseguiria completar toda a volta, quando notei um sensível relevo no tronco, a cor era diferente do resta, tinha o formato de uma pomba com asas enormes, me encantei e não pude me conter, fui em busca daquela figura magnífica.

Coloquei umas pedras no chão para poder alcançá-la, finalmente quando consegui, uma frecha se abriu, uma luz muito forte que me cegou e algo me puxou com muita força, senti meus cabelos voando, um vento frio em meu rosto, senti a ponto de meu nariz congelar, parecia estar voando, mas com uma velocidade inexplicável, meu coração batia acelerado, não sabia o que estava acontecendo.

Subitamente caí de costas em algo macio, abri os olhos e me deslumbrei com a beleza que estava ao meu redor.

O céu azul cheio de pássaros coloridos, um sol maravilhoso, muitas árvores e comecei a sentir um perfume maravilhoso que vinha do jardim de flores que haviam amortecido a minha queda.

Havia flores de todos os tipos, cores e tamanhos, me levantei, recolhi os meus livros e cadernos e olhei para todos os lados para descobrir aonde eu poderia estar para encontrar o caminho de volta para a escola.

Mas para meu desespero e angústia, não conhecia nada, estava ficando com medo, quando comecei a ouvir vozes de crianças, segui aquele som e cheguei a uma trilha, logo adiante avistei um grupo de meninas e meninos com uniforme de escola, com cadernos e livros nas mãos.

Corri para alcançá-los, quando estava a poucos metros chamei-os, eles viraram para trás e vieram ao meu encontro. Achei estranho, pois parecia que me conheciam, e me conheciam mesmo, isso porque uma das meninas chamou-me pelo nome.

- Belinha, onde estava, achávamos que não iria à escola, apresse-se estamos atrasados! O sinal irá tocar em alguns minutos. E puxou-me pelo braço, sem entender nada, me deixei levar, no final da trilha lá estava, uma espécie de prédio com características de casarão, enorme, com cores azul, branco e detalhes em relevo de livros, de lápis, de borrachas por todas as paredes, não havia pichações, tudo muito bem conservado.

Na frente do prédio havia um jardim muito florido, cheio de borboletas e beija-flores, entre os jardins haviam vários caminho, onde ficavam algumas mesas cobertas com vários estudantes com livros lendo e fazendo lição, estudando em grupo.

Do lado esquerdo do prédio havia quatro quadras, que eram utilizadas para a prática de vários esportes, basquete, vôlei, tênis, futebol, atletismo..., do lado direito duas piscinas, uma para os pequeninos e iniciantes na prática de natação e a outra para os maiores onde faziam competições, elas tinham o formato da figura da árvore, ou seja, de pombas com asas enormes.

Nos fundo avistei um galpão enorme, parecia uma fábrica, alguns alunos mais velhos saiam e entravam por uma porta bem grande, todos de uniforme cinza, com sapatos pretos, óculos de proteção e capacete.

Fiquei curiosa e não hesitei e perguntei se não poderíamos entrar naquela fábrica. Todos me olharam estranhamente e disseram:

- O que você bebeu no café da manhã, Belinha? E você não sabe o que é?... São as oficinas profissionalizantes para os alunos do colégio, ainda temos muito chão antes de podermos estudar lá, temos que nos contentar com nossas matérias básicas....

O sinal tocou, todos se dirigiam calmamente para a porta de entrada, não entendia nada, principalmente a empolgação, não só dos meus “novos/velhos” amiguinhos, mas de todos os alunos.

Não podia acreditar! Como podiam gostar de ir à escola?

Cheguei a frente do prédio, me dirigi para o portão de madeira maciça que ficava na entrada, todo trabalhado, fiquei encantada com seu tamanho, era enorme, ao atravessá-lo acessei o corredor principal, foi quando comecei a entender, tudo muito limpo e cheiroso, organizado, não haviam crianças gritando, se espancando, correndo, mau educados, pelo contrário, todos conversando, brincando uns com os outros, andando isso mesmo andando e entrando de forma organizada em suas salas.

No final do corredor havia uma senhora muito distinta, elegante, simpática, os pequeninos do primário iam na sua direção para abraçá-la e beijá-la, me encantei com seu sorriso e seus lindos olhos azuis, que nos olhavam com muita ternura, parecia até um anjo.

Uma das meninas, a Ana, que encontrei na trilha, me puxou o cabelo e me indicou a sala para entrar e me “lembrou” que aquela senhora era a diretora, Senhora Clara.

Ao entrar na sala não acreditei, carteiras arrumadas em filas, muito bem conservadas pareciam recém compradas, limpinhas, a sala cheirava gostoso, tudo limpinho.

Sentei ao lado de Ana, fiquei sabendo que a aula seria de Língua Portuguesa, não acreditei, já me veio na mente a tal da Dona Enriqueta e a tal “oxítona, paroxítona...”, mas para minha surpresa a professora da matéria era uma jovem mulher, seu nome era Beatriz, parecia ter uns 40 anos mais ou menos, estava com um vestido colorido, era bonita e muito sorridente, cumprimentou a sala, sentou-se e começou a fazer a chamada, e estranhamente meu nome estava na lista e a professora me conhecia.

Terminada a chamada, a professora Beatriz começou a passar a matéria na lousa, não acreditei, finalmente análise sintática, comecei a ri sozinha, todos me olhavam sem entender nada.

Como Dona Enriqueta não ensinava nada, comecei a estudar sozinha, mas como toda matéria nova, tinha muitas dificuldades, principalmente em análise, fiquei tão feliz, pois agora sim conseguiria entender.

Dona Beatriz era muito gentil e paciente, ensinava todos da mesma forma, e tirava dúvidas daqueles que a questionavam.

Fiquei encantada com a aula e a professora. Ah!!... bem que ela poderia ficar no lugar da Dona Enriqueta!!!!!

Quando soou o sinal do intervalo, não quis sair da sala, Ana insistiu tanto que concordei e a acompanhei, mas já estava esperando para o pior, crianças gritando, caindo, se matando.

E, mais uma vez fui surpreendida, as crianças estavam brincando no ginásio, rindo, se divertindo, os grandes cuidando dos menores, ensinando regras de jogos.

No refeitório, tudo muito organizado, as tia da cozinha com luvas e tocas na cabeça serviam aos alunos, Na parede o cardápio com os dias da semana, nas segundas:arroz, feijão, salada de batata com ovos e frango assado; nas terças: macarronada com molho bolonhesa com almôndegas; nas quartas: arroz, feijão, bife com batata frita; nas quintas: arroz, peixe em molho com purê de batata; e as sextas: sopas, ás vezes de palmito, legumes, canja, de feijão.(todas as refeições acompanhavam salada de alface, tomate, sucos naturais, e sobremesas, gelatina, creme de chocolate, pudim, sagu, arroz doce, canjica)

Não acreditei, na minha escola só tínhamos chocolate com três bolachas de maizena.

Após o intervalo fomos para o segundo período, a matéria era geografia, coincidência demais!!!

Quando entramos na sala, o professor já encontrava-se na sala, com um globo em cima da mesa,seu nome era Pacífico muito sério, de óculos, meio calvo, gordinho, de descendência oriental, parecia bravo, nos cumprimentou e nos sentamos. Com o sinal de início do período começou a fazer a chamada, todos em silêncio iam respondendo “presente senhor”.

O senhor Pacífico abriu o livro de mapas e começou a nos explicar sobre as demarcações dos territórios, dos países que estavam em conflito, Iran, Iraque, Golfo Pérsico, Kuait, os motivos da guerra, o número de mortos, as destruições das cidades. Explicou-nos que muitos dos conflitos naquela região eram por diversos motivos entre eles a religião, a política, a economia, os poços de petróleo, a disputa pelo controle do poder.

Mostrou-nos um vídeo de crianças que viviam nestes países e fiquei chocada com o que vi, algumas haviam perdido os pais, irmãos, parte de seu corpo, mas o que mais me tocou foi que todos tinham um sorriso enorme em seu rosto, mesmo com tantos problemas, catástrofes, eles se mostravam fortes, com livros nas mãos, com força de vontade de enfrentar todo o caos para chegar a uma pequena sala, sem cadeiras, sem mesa, sem nada, simplesmente se sentavam no chão para ouvir os ensinamentos da professora.

Ao término do vídeo fiquei muito triste comigo, pois embora minha escola não fosse bem o modelo que gostaria, eu tinha uma sala de aula, cadeiras, mesas, professores.

Nos minutos finais estava pensativa, se não estava feliz com minha escola, se não concordava como era administrada, deveria lutar pela mudança.

Saí da escola com meus pensamentos fervendo, comecei a listar as prioridades a serem reivindicadas, utilizaria como base essa escola o qual gostei tanto, se ela pode ser assim, vou fazer de tudo para que a minha também o seja, quando de repente caí em uma poça de lama, que se abriu abaixo dos meus pés e lá estava eu novamente,voando rapidamente através de uma luz muito forte, caí, senti uma enorme dor no tornozelo, quando abri os olhos lá estava eu no chão, havia tropicado naquela raiz, não acreditei, havia voltado no tempo, olhei o relógio faltavam alguns minutos para o sinal.

Corri, consegui chegar a tempo para a aula da Dona Enriqueta, e não é que a aula que ela havia preparado era sobre as mudanças ortográficas!!!!Não acreditei e Pensei essa escola tem jeito, só basta querermos!!!

FIM

Arte, tradição e modernidade

Queridos e queridas,


Reproduzo aqui texto escrito por Gilmar de Carvalho Para o Diário do Nordeste, de Fortaleza, em 24 de janeiro deste ano.

Como sempre, ele nos possibilita boas reflexões.

O pesquisador Gilmar de Carvalho realiza uma análise das relações da arte com a tradição, a partir de suas conexões com a mídia e as novas tecnologias

Um ponto de partida para se pensar a relação da arte com a tradição é analisar suas relações com a mídia e com as novas tecnologias, num contexto de valorização do mercado.

Tradições podem ser pensadas como as práticas de longa duração. Isso não significa que se mantenham à margem das modificações provocadas pela dinâmica da cultura. Pelo contrário, constituem a parte menos vulnerável à tensão das transformações sociais, às mudanças provocadas pelos novos padrões de comportamento, pelas questões de mercado, e pelo impacto das novas mídias e tecnologias.

Observar e acompanhar essas mudanças pode ser um exercício criativo e complicado nos dias em que vivemos.

De certo modo, a tradição vive um impasse: pode ser vista como anacrônica ou conservadora, por muitos, e é compreendida como fator de sedimentação social por outros.

Sem juízos de valor, preconceitos ou sem obedecer ao senso comum, vale menos o que se pode deduzir e mais a oportunidade desta discussão na contemporaneidade.

Partamos do pressuposto de que a tradição não se fecha às influências recebidas, cada vez maiores e de maior impacto sobre crenças, valores, manifestações, saberes, ofícios, celebrações, o que a Unesco achou por bem delimitar como o campo do "patrimônio imaterial".

Um importante teórico da Semiótica da Cultura, o ucraniano Iuri Lotman (1922 - 1983), afirmou que "toda obra de arte inovadora é elaborada com um material tradicional".

Vale ir adiante e pensar as relações da tradição com a mídia e o mercado, com todas as implicações possíveis no campo da economia, da antropologia e da comunicação.

Mídia

A mídia há muito deixou de ser um conjunto de aparatos tecnológicos com a finalidade de difundir mensagens. Esta seria apenas uma de suas funções, talvez a mais evidente e a menos importante.

Pode-se pensar a mídia como o lugar central ou nodal onde a sociedade se pensa e onde decisões são tomadas. Considere-se aqui o campo fértil das ideologias, a explosão demográfica, o processo de urbanização e a facilitação de equipamentos como rádios, televisores, computadores, "smartphones", câmeras digitais, mp3, e teremos uma babel de imagens, sons e material informativo que cria novas teias e novas redes de usuários e produtores, tornando viável a aldeia global antecipada por McLuhan.

Impossível pensar a sociedade atual sem o primado das mídias e sem as tecnologias de ponta que avançam, inexoravelmente, numa velocidade que nos deixa atônitos diante das reações que provocam e das situações com as quais nos deparamos.

É tudo muito novo, sem a ancoragem de grandes teóricos, numa abordagem multidisciplinar, onde vamos beber na fonte dos filósofos, dos sociólogos, dos antropólogos e dos semioticistas, com a inserção social de muitas tribos, novos públicos e a consequente ampliação do mercado.

No caso brasileiro, esta passagem é muitas vezes mais abrupta, quando segmentos marginalizados, com pouco acesso à palavra impressa, são jogados para o universo virtual, sem escalas e sem uma preparação para a aceitação de novos parâmetros.

Certo é que muitas situações são irreversíveis e não adianta lamentar, de modo reacionário, o avanço das tecnologias e das mídias, numa visão mais apocalíptica ou, de outro lado, também não vale festejar esse acesso como conquista ou como panaceia, como pretendem os mais integrados, na visão lúcida de Umberto Eco.

Temos situações curiosas que nos levam a reflexões mais densas nesse campo que envolve vida, cotidiano, arte e trabalho.

Pode-se partir do pressuposto de que as manifestações que fazem sentido para as comunidades continuarão sendo praticadas, ainda que com fortes mudanças.

Em meio aos "iluminismos" de toda ordem, interferências do mercado, da mídia e do impacto das tecnologias, fica difícil manter um ritmo de produção que satisfaça as expectativa de consumidores ávidos por novidades e que atenda ao ritmo de vida, de possibilidades e de superação dos artistas das camadas subalternas, perplexos, como todos nós, diante do frenesi contemporâneo de novas tendências, de superação do costumeiro e de manutenção da "aura" num contexto que se propõe serial, ainda que com as marcas sofridas de seus autores.

Apropriação

A ideia da tradição artesanal como ponto de partida para a criação ou releitura nas artes plásticas começa a dar sinais de vigor com o fim do academicismo. O desmoronamento do cânone e a falência de um modelo que dava evidentes sinais de desgastes, depois da fotografia, do cinema e de outras técnicas, fez chegar os ideais modernos, ainda que muitas vezes fora de tempo.

O modernismo brasileiro trouxe vislumbres do que seria uma "ingenuidade" caipira nas cores e em certa temática de Tarsila do Amaral.

No caso cearense, de modo mais tardio, estes referenciais só entram muito depois, porque esta apropriação da tradição e as bases do que seria uma cultura brasileira, com a valorização do barroco mineiro, da figura de Aleijadinho, e do conceito de miscigenação vai se reforçar com as viagens de Mário de Andrade, com o ideal antropofágico e explode com o Tropicalismo.

Vamos encontrar no jornal literário "José" xilogravuras de Aldemir Martins e Barboza Leite. Sérvulo Esmeraldo corria por fora, aqui, em São Paulo, e em Paris, cortando gravuras, levando o trabalho de Noza e se reforçando como o grande artista que é. Zenon Barreto pintou uma moça que virou cachorra, com visível influência das capas dos folhetos de feira e recorreu a quengas de coco, bilros, e outros materiais menos nobres para fazer esculturas que equivaleriam a uma versão politizada de nossa "pop art".

José Tarcísio vai dar o salto em grande estilo. Adérson Medeiros, com a apropriação dos ex-votos, escreve um capítulo importante das artes no Ceará. A parceria de Mariza Viana com Stênio Diniz ainda hoje rende frutos.

Mas não se trata apenas de colocar a tradição como "motivo" ou recorrer ao que fazem as camadas subalternas para se ter cor local. O modismo e o episódico não se sustentam no campo da arte que assume outro estatuto, o das experimentações das linguagens, que são levadas para outros limiares e o da significação mesma, uma questão filosófica, felizmente sem respostas prontas e acabadas e que têm feito a delícia das polêmicas, provocações e rupturas.

Nada mais falso que "assemblages" de bonecos de barro. Isto se sustenta nestas vitrines de decoração e supérfluo, que acontecem uma vez por ano, para gáudio de decoradores e "peruas".

Não se trata de dar receitas ou encontrar soluções; mas Espedito Seleiro, "designer" do couro, com sua oficina em Nova Olinda, com a criação de peças para as grifes Cavalera e Triton, faz o percurso inverso e é aceito porque tem competência e talento e não porque é exótico.

A família Cândido, que vive e atua em Juazeiro do Norte, parece ter encontrado na modelagem em barro das cenas, "temas" do cotidiano do Cariri, uma síntese, um ponto de equilíbrio entre criação e encomenda, entre tradição e contemporaneidade, atingindo uma aceitação pelo mercado que não implica em perda da força do ofício ou diluição de seus próprios fazeres.

Os Irmãos Aniceto, banda cabaçal do Crato, aliando música e performance (conceito tão caro a Paul Zumthor), parecem "eternos" diante da performance dos mitos Cariri e "clássicos" quando se discute mais uma vez a velha questão do popular um contexto em que a ênfase deveria ser dada à tradição.

Na outra mão desta vertente, os exemplos são poucos. A tradição é rejeitada e é bom que isto aconteça, na maioria das vezes. Não se pode cair na folclorização da arte. Até mesmo o artesanato precisa de um sopro renovador, que não se faz com os "modelos" da Ceart (Centro de Artesanato do Ceará), mas quando o próprio artista sente a necessidade da superação e tenta responder às cobranças e às exigências do mercado.

O "mangue-beat", movimento que agitou a cena cultural pernambucana fez isso bem, mas não se pode fazer isso indefinidamente. Esgotou-se a "fusão", o estranhamento se tornou redundância e acabou aqui num pretenso movimento cabaçal.

O cearense Efrain Almeida, radicado no Rio de Janeiro, retomou os ex-votos de Zé Tarcísio e Aderson e fez uma nova leitura, em tempos de delicadeza e agressão. Apontavam para endemias que falavam em grupos de risco e antecipavam, o apocalipse. Herbert Rolim também circulou pelo terreno das memórias. Stênio Burgos vai em busca de um sertão encantado e de um litoral ameaçado e faz uma grande pintura, com uma força surpreendente.

João Pedro do Juazeiro se supera na escavação de grandes pranchas de madeira industrializada para cortar suas xilogravuras que ganham cores e causam forte impacto.

Bordado

Tudo isso leva a uma viagem de volta aos cangaceiros de Aldemir Martins, aos bonecos de sucata de Zé Pinto e às festas do Nogueira.

Mas a grande referência desta relação entre o artesanal e a chamada "alta cultura" serão os bordados de Leonilson. Aqui, a tradição cearense do artesanato e da habilidade, construída desde os aldeamentos indígenas, explode com força, lirismo e contundência.

Os bordados, que dialogam, com as propostas artesanais de Artur Bispo do Rosário, como o manto que usaria para estar diante de Deus, são a mais perfeita tradução destes saberes e fazeres deslocados para um contexto de dor, onde a agonia ganha o estatuto de obra de arte, não pela morbidez, mas pela possibilidade de significar mais do que sugere a nossa vã filosofia.

Leonilson borda a impossibilidade, como uma Penélope que espera pelo mistério e olha para o infinito. Seu bordado não é desfeito, antes nos enreda nestes fios e nestas tramas de cumplicidade e sedução.

Ainda é cedo para saber o que tem sido feito no campo do vídeo-arte, da instalação e de outras propostas contemporâneas. Talvez os artistas jovens tenham uma extrema urgência, talvez o mal-estar porque sabem que viverão de editais e terão muitas dificuldades de acesso ao mercado ou talvez porque seja da essência da arte não ser compreendida e aceita no instante em que é feita.

Um excessivo narcisismo faz com que a proposta seja associada a fogo e ferro ao artista, preocupado com o próprio umbigo e querendo ser o criador, o curador, o galerista e até mesmo o comprador, leva a uma excessiva fragmentação e a uma impossibilidade de compreensão do que está sendo dito (ou não dito).

Vale pensar nos grafites de hoje como possíveis pontos de partida para nossa perplexidade diante da exclusão de parte da juventude do mercado de trabalho. Cifrados, eles significam pouco diante do que poderiam representar. Basquiat, Alex Valauri e Weaver Lima.

Talvez seja o momento de questionar a prevalência de um modelo. Se vivemos tempos de diversidade cultural por que a insistência no envelhecimento dos suportes tradicionais? Por que a instalação precisa matar a pintura, o desenho, a gravura e a escultura?

Se a pluralidade é a palavra-chave e politicamente correta de hoje em dia, talvez seja a hora de aceitar o que venha marcado pela sinceridade, pela consistência de uma proposta e pela seriedade de um percurso.

Tradição e contemporaneidade não são antagônicas, tampouco duas faces de uma mesma moeda. Parecem mais possibilidades de se olhar o mundo de modo mais rico, mais aberto e menos dogmático.

GILMAR DE CARVALHO*
ESPECIAL PARA O CADERNO 3

*Gilmar de Carvalho é jornalista, professor da UFC e autor de livros como "Artes da tradição" e "Mestres Santeiros"

Utopia da educação 4

Queridos e queridas,

Recebi mais um texto da turma de Filosofia da educação, do curso de Letras: para ler e pensar...


Terra dos contrários.

Gabriel Seif

Estive passeando por muitos lugares, e conheci tanta coisa por esse mundo que ficaria anos aqui tentando explicá-las sem conseguir alcançar uma descritiva honrosa.

Entretanto o lugar que mais me impressionou, e não poderia deixar de tecer algum comentário.

A Terra dos Contrários – é este o nome - praticamente igual ao mundo que estamos acostumados, com algum detalhe diferente. Essa terra tem problemas assim como temos aqui, mas lá eles são chamados de soluções.

As pessoas não pensam em sexo, e podem passar horas conversando e sonhando em encontrar o Amor. O casamento só acontece uma vez na vida. Lá as pessoas ganham dinheiro pra trabalhar e algumas pessoas andam pelas ruas para entregar carros, carteiras, dinheiro e jóias para outras pessoas, e são conhecidas pelo nome de “marginais”. Os “participantes de grupos de apoio” são economistas que ajudam pessoas com algum vício. As instituições de detenção servem para instruir as pessoas que lá ficam por certo tempo, além de banir a ação criminosa dessa terra. A polícia é formada pelos melhores cidadãos dessa terra, já que a proteção e garantia do cumprimento da lei é obrigação de todos os habitantes.

As pessoas são divididas em grupos individuais por características coletivas, e os “emos” são as pessoas que mais fazem piada e dão risada, assemelhando-se aos nossos palhaços.

Na Terra dos Contrários ninguém acredita em heróis, e a esperança morre muito cedo. Eles sempre enxergam a realidade, e aqueles que mantém essa esperança são os políticos vocacionados.

Na Terra dos contrários a música é usada no diálogo e a conversa é a melhor animação de uma festa. Lá os animais são irracionais e os homens usam a inteligência.

Na Terra dos contrários, em casa de ferro o espeto é de ouro.

Na Terra dos contrários, as pessoas se amam como se não houvesse amanhã, pois na verdade amanhã existe e será muito melhor se nos amarmos.

Na Terra dos contrários, nada acaba em pizza.

Na Terra dos contrários não existe conto de fadas.

Na Terra dos contrários existe final feliz. Mas todo final feliz tem uma história!

Acerca da Educação

Precisei retornar à Terra dos Contrários, pois me pediram para criar um modelo de educação. Qual lugar seria mais interessante para observar modelo de qualquer coisa do que a já conhecida, por mim, Terra dos Contrários? Dessa maneira visitei aquele lugar por mais uma vez para verificar a maneira de organização e funcionamento – parte mais importante – da educação.

Assim que cheguei já notei uma mudança. Mas nessa terra, uma mudança de organização está ligada ao todo. Então a organização do todo é motivo e auxílio de cada particularidade. A ordem está presente na formação do indivíduo, assim como o lazer. E o lazer parece muito mais interessante pela existência das ordens. Foi-me dito que por essa ordem, todos os habitantes em todas as idades têm direito a este lazer, então ninguém busca nenhum refúgio parecido com drogas ou outros vícios autodestrutivos. Tive que observar isto por minha conta, pois ninguém sabia o que era a “droga” quando lhes perguntava, além de ter sido confundida com medicamentos por quase todos os perguntados.

Visitei a escola do país, e fui muito bem recebido. Havia um local para refeições e lá estavam professores e alunos em uma aula de alimentação. Continuei meu caminho para outras salas de aula. Não havia anotações informativas sobre qual sala era qual. Percebi então que as salas eram divididas entre as idades. Com uma pesquisa mais aprofundada percebi a existência de uma escola por bairro, e estes eram divididos em espaços iguais. Assim as escolas tinham mesma maneira de organização em todos os lugares naquela terra.

Os alunos ingressavam sem processo seletivo, e desde pequenos entravam na escola com o objetivo de aprender. Aliás, era esta a matéria do primeiro ano: como aprender.

Depois do quinto ano, os professores recebiam lição de casa dos alunos, para responder dúvidas e atingir os pontos de mais dificuldade dos alunos. Não havia reforço. Ninguém tinha problema de faltas. Quando um faltava, outro companheiro de sala já transmitia o que havia aprendido ao aluno faltante. O conteúdo era explicado em teoria e demonstrado em prática, assim, nenhum aluno se perguntava “para quê serve isto?”.

Aproximei-me de um professor e perguntei sobre o método de avaliação. Este professor me pediu para acompanhá-lo, e dirigiu-me ao distrito policial da Terra dos Contrários. Ele prestou queixa de distúrbio da ordem, e fomos presos. Ele e eu.

Passamos o final daquele dia e mais uma noite inteira na cadeia. Lá pudemos conversar sobre tudo, e lho fiz as perguntas que recordava. Ele me explicou que a organização, ou secretaria, das escolas eram muito organizadas, e ligadas às instituições penais. As pessoas que cometiam algum crime cumpriam pena, e durante o primeiro e último dias desta pena, o professor deste indivíduo passaria uma noite com o detido.

Ele também me explicou que o decreto nas escolas era o ensino e o aprendizado efetivo. Não havia motivo na avaliação de conhecimento dos alunos, pois o interesse era deles. Da mesma maneira, não havia motivo na avaliação de conhecimento dos professores, pois não era motivo de orgulho ser um professor com longa ficha criminal. Ao sermos liberados, decidi por não perguntar sobre minha acusação, por mais absurda que tivesse achado. Hoje penso que absurdo é não ser assim.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Utopia da educação3

O país da educação



Luana Teodoro

- Bom dia professora!

- Bom dia Felipe!

E caminhei mais um pouquinho......

- Professora já consegui terminar o trabalho que a senhora nos pediu, já posso entregar?

- Maria, esse trabalho é para a semana que vem, você está bem adiantada! Parabéns!

Na sala dos professores os comentários são:

- Hoje vou dar aula no 8°ano, como eles são bons alunos! – disse a professora de português.

- Eu tenho que aplicar uma prova, os alunos estão entusiasmados com a atividade. – comentou o professor de matemática.

- E eu vou pedir que os alunos do 3°ano me ajudem a fazer alguns mapas para colocarmos na Exposição Cultural de Geografia de Encantamento. – Disse o professor de geografia.

No meio da conversa a diretora entra na sala e diz:

- Precisamos fazer uma reunião logo mais à tarde para decidir sobre os novos uniformes dos alunos e sobre as bonificações que o governo no enviou devido às boas notas do provão anual.

E assim começou mais um dia de trabalho na escola onde leciono. Desculpa, não me apresentei, moro num país chamado Encantamento, meu nome é Luíza e sou professora de Língua Portuguesa na Escola Machado de Assis – a escola tem este nome porque o país considera este autor um dos melhores que já existiu quando o assunto é escrever, é uma homenagem a esta pessoa que escreveu tantos livros e que contribuiu para a literatura de um outro país.

Encantamento é país pequeno, muito organizado e desenvolvido, ao contrário os grandes e famosos países que formam nosso mundo.

Eu não nasci em Encantamento. Sou natural de um país da América do Sul muito grande que tem tudo para ser considerado um ótimo país para viver, pois não existem terremotos, vulcões, vendavais, enfim, nenhum efeito catastrófico da natureza, mas por outro lado, a fome, miséria, corrupção, pobreza e violência são constantes, ninguém toma as medidas necessárias para melhorar.

Eu me mudei para cá logo depois que conheci este país, passei férias com minha família aqui e ficamos muito animados com este local - que por sinal tem a Língua Portuguesa como língua materna.

Esforcei-me muito para conseguir mudar com minha família para cá, porque os governantes são extremamente rígidos quando o assunto é fixar residência em Encantamento. É preciso mostrar todos os documentos e convencê-los de que é uma boa pessoa e tem as melhores intenções, além de ter que provar que quer ajudar de alguma maneira o país. O governo não admite falhas nem bagunças, as coisas são muito certinhas.

Tudo funciona corretamente por aqui, dificilmente é encontrada alguma falha e ao ser descoberta as medidas necessárias são rapidamente tomadas. Como minha área é a educação, vou apresentar-lhes como ela funciona por aqui.

A educação faz parte de uma das áreas mais importantes para o governo. O governo não mede esforços para ver todas as crianças na escola e ter todos os cidadãos alfabetizados. Estudar é algo importante e valioso para as pessoas que moram no país. Os governantes dizem que sem educação o país não cresce e se desenvolve, já que é o povo que faz isso acontecer.

Desde pequenos os pais matriculam seus filhos na escola. A idade de iniciação escolar é aos 6 anos, pois é nesta idade que a criança começa a compreender a importância da escola e se “amadurecer”. Antes dessa idade, as crianças ficam em casa com os pais ou outro parente aprendendo cantigas educativas e desenvolvendo atividades que ensinam brincando, como pintar, confeccionar os próprios brinquedos.

Os alunos são incentivados a estudar e eles gostam de estar na escola. O interesse por parte dos alunos é imensa, todos são interessados na aula, tiram dúvidas, lêem, escrevem, pesquisam sobre novos assuntos e sobre o que foi explicado durante a aula, realizam as atividades e até gostam de fazer provas, pois são nas provas que eles mostram o quanto aprenderam e o que precisam melhorar.

As avaliações são contínuas, ao término de cada ponto novo o professor aplica uma prova para ver o que o aluno aprendeu e se é preciso retomar alguma coisa, dessa forma fica fácil para o aluno como para o professor.

O professor tem liberdade para ensinar, ele precisa seguir o que é indicado para cada série/ano, mas pode fazer a aula como bem quiser.

Não existem regras e materiais que precisam ser seguidos diariamente. Ele tem liberdade de escolher dar aula ao ar livre, por exemplo em biologia, como usar objetos do dia-a-dia e que estão em todas as partes para ensinar geometria, levar os alunos para conhecer os relevos, realizar atividades de educação física em parques, ensinar o português a partir de músicas, folhetos, propagandas, enfim, o professor monta a própria aula utilizando quais materiais quiser.

O interesse do professor em ensinar não está totalmente ligado ao salário justo que ele recebe no final do mês, pelo contrário, a satisfação de ver um de seus alunos ingressando na melhor universidade do país, conseguindo um emprego decente e compreendendo o que acontece a sua volta é maior do que prêmios salariais. O professor faz o que ele gosta: ensinar corretamente.

É comum ver pais de alunos ou outra pessoa da comunidade na escola, pois são essas pessoas que ajudam no bom funcionamento da instituição. Eles opinam, ajudam a organizar eventos, participam de reuniões e de tudo o que for preciso. Essa participação acontece porque existe uma conscientização de que é preciso trabalhar junto com a escola para conseguir ser ou ter um morador cada vez melhor.

A escola serve merenda de boa qualidade, nutritiva e saborosa. A maioria dos alimentos são cultivados dentro da escola e os alunos ajudam a cuidar e a preparar a merenda. Parece loucura, mas não é, cada dia é uma turma que prepara o que todos vão comer. Isso não é difícil porque as escolas de Encantamento são pequenas. Por serem escolas pequenas, existem muitas instituições e todas as crianças têm onde estudar.

O aluno fica o dia inteiro na unidade, eles entram às 7 horas da manhã e saem às 17 horas. Parece muito tempo, mas cada minuto é aproveitado. No período da manhã, as crianças e jovens têm aulas teóricas com matérias que contribuem para o seu conhecimento, após o almoço – é servido almoço para todos e têm-se 1 hora livre -, os alunos recebem aulas práticas, como música, teatro, esportes, dança artes e outras línguas. Os professores das matérias convencionais são capacitados para ajudar no que for possível e se quiser participar das aulas práticas também podem.

Não existe uma idade determinada para terminar os estudos. Só existe a idade correta para começar. O ensino obrigado leva 14 anos para ser concluído, depois é opcional do estudante continuar ou não. A maioria dos jovens continua estudando porque gostam de estudar e porque procuram se profissionalizar.

Posso ficar horas e horas escrevendo sobre este país, mas está na hora de eu ir para a sala de aula, preciso fazer o que mais gosto: ensinar. Os alunos já devem estar na sala acomodados e esperando o momento de começar a aula e aprender coisas novas. O país da educação


Lecionar em um lugar onde todos valorizam a educação é mais que satisfatório, é gratificante!

Utopia da educação-2

UMA FORMA DE SONHAR

Renata Vieira Lima

TUDO COMEÇOU EM UMA SEXTA-FEIRA DIA 15 DE JANEIRO. LEMBRO-ME COMO SE FOSSE HOJE.ESTAVA ANGUSTIADA, PENSATIVA, A QUESTÃO DE QUE COMO SERIA A EDUCAÇÃO DAQUI ALGUNS ANOS.MAS, POR QUÊ?

SEREI UMA FUTURA PROFESSORA E JÁ ME SINTO COM A RESPONSABILIDADE DE ENSINAR A FUTURA GERAÇÃO. COMO SERÁ?

SE HOJE A EDUCAÇÃO SE ENCONTRA EM UMA DECADÊNCIA PROFUNDA, EDUCADORES CONFORMISTAS, DESANIMADOS, PREPOTENTES E ALUNOS REBELDES DENTOR DE UAM SALA DE AULA, COMO LIDAR COM ESSA SITUAÇÃO?

MUITOS ALUNOS E PROFESSORES PERDERAM A ESSÊNCIA DE QUE A EDUCAÇÃO É PRIORIDADE NA VIDA DE UM SER HUMANO, É ELE QUE FORNECE A BASE PARA CONSTRUIRMOS UM PRESENTE E FUTURO MELHOR.

DEPOIS DE REFLETIR TUDO O QUE ESCREVI NESTAS LINHAS, FUI ME DEITAR E ACAB EI SONHANDO...]E TUDO COMEÇOU ASSIM:

ERA FEVEREIRO DE 2012 E NAQUELE ANO, SÓ SE OUVIAM FALAR NAS RÁDIOS E NOTICIÁRIOS DE QUE A EDUCAÇÃO DO NOSSO PAÍS ERA MODELO MUNDIAL.A NOTÍCIA SE ESPALHOU NOS QUATRO CANTOS DA TERRA.

EU ESTAVA MINISTARNDO AULA, COM APROXIMADAMENTE 45 ALUNOS, TODOS UNIFORMIZADOS, ANSIOSOS ESPERANDO A AULA COMEÇAR.

O MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO HAVIA CONTRATADO UM GRANDE NÚMERO DE PROFISSIONAIS DE DIVERSAS MATÉRIAS, SALAS AMPLIADAS, LABORATÓRIOS DE PESQUISA, SALA DE INTERNET ALTAMENTE AVANÇADA, BIBLIOTECA QUE ANTES ESTAVA DESATIVADA, FORAM ATIVADAS COM UM ACERVO DIVERSIFICADO COM ATÉ EXEMPLARES RARÍSSIMOS DE SE ENCONTRAR, POLICIAMENTO AO REDOE DA ESCOLA, MERENDA DE QUALIDADE COM A PRESENÇA DE UMA NUTRICIONISTA RESPONSÁVEL PELA ALIMENTAÇÃO DAS CRIANÇAS .ENFIM, UMA EQUIPE TOTALMENTE ESPECIALIZADA EM ORGANIZAR DIVERSOS PROJETOS COM ALUNOS, INCLUSIVE NAS PERIFERIAS CARENTES DA REGIÃO.

TODOS ESTVAM ANIMADOS E ENTUSIASMADOS COM ESTE NOVO PROGRESSO.O GOVERNO NAQUELE ANO INVESTIU 80% SOMENTE PARA O SETOR DA EDUCAÇÃO.

NA SALA DE AULA , UM DOS TEMAS DISCUTIDO ERA SOBRE A CONQUISTA DE UMA NOVA EDUCAÇÃO .JOVENS, ADOLESCENTES E ADULTOS QUE ABANDONARAM OS ESTUDOS , RETORNAVAM COM A ESPERANÇA DE GARNTIREM UMA OPORTUNIDADE MELHOR NO MERCADO DE TRABALHO .

A MOVIMENTAÇÃO NO MERCADO DE TRABALHO, ESTAVA EM ALTA, O ÍNDICE DE DESEMPREGO ERA MENOR NOS ÚLTIMOS DEZ ANOS, OU SEJA, COM A FORMAÇÃO DE NOVOS PROFISSIONAIS QUALIFICADOS E UMA POPULAÇÃO ALFABETIZADA, O MERCADO ADMITE PARA AS ÁREAS QUE ESTÃO VAGAS E COM ISSO O PAÍS SÓ TENDE A CRESCER.

ERA ALGO INCRÍVEL E INACREDITÁVEL. NUNCA HOUVE EVOLUÇÃO INÉDITA COMO FORA ESSA, NEM MESMO QUANDO O HOMEM FOI Á LUA, TEVE TANTA REPERCUSSÃO COMO FOI A GRANDE MUDANÇA EDUCACIONAL DO NOSSO PAÍS.

NA ESCOLA EM QUE EU LECIONAVA, TIVEMOS A VISITA DE VÁRIOS REPRESENTANTES DE VÁRIOS PAÍSES, INCLUSIVE O JAPÃO, PAÍS CONSIDERADO 1º MUNDO. ELOGIAVAM MUITO SOBRE O NOSSO TRABALHO E O EMPREENDIMENTO QUE O GOVERNO INVESTIU NA EDUCAÇÃO. UM DOS PROJETOS QUE OS ALUNOS FIZERAM JUNTAMENTE COM PESQUISADORES NAQUELE PERÍODO, ERA A EXPLORAÇÃO DE PLANTAS DA AMAZÔNIA E A LUTA CONTRA O DESMATAMENTO.OS LAUNOS RECEBIAM LIVROS DIDÁTICOS, MATERIAIS E AINDA UMA BOLSA ESTUDANTIL PARA QUE FUTURAMENTE PUDESSE AJUDÁ-LO NA UNIVERSIDADE.AS UNIVERSIDADES TAMBÉM FORAM INVESTIDAS, DANDO OPORTUNIDADE PARA OS MAIS CARENTES.

EU ESTAVA MUITO SATISFEITA, ADMIRADA E FELIZ COM ESSA REVOLUÇÃO HISTÓRICA.

MAS, DE REPENTE O SINAL TOCOU E EU ACORDEI...

EU ACORDEI ASSUSTADA E VI QUE TUDO QUE ESTAVA EM MINHA VOLTA, CONTINUAVA NO MESMO LUGAR.OLHEI PARA O RELÓGIO PONTAVA MARCAVA 09:00 HS DA NOITE.

O DIA 15 DE JANEIRO FOI APENAS UM SONHO, UM SONHO BOM. A ANGÚSTIA FOI EMBORA E NO LUGAR BROTOU A ESPERANÇA DE UM DIA DESSE SONHO SE TORNAR REALIDADE.

RENATA VIEIRA LIMA

Utopia da educação

Queridos e queridas,


Sabem que sou uma professora apaixonada mas estou cada vez mais feliz com as possibilidades que a disciplina Filosofia da educação me oferece. Entendo que Filosofia é você pode olhar para o mundo questionando-o e a partir dos questionamentos que fizer, posicionar-se, sem se acomodar. Neste semestre, surgiu o desafio de fazer uma turma de 2o. semestre de Letras refletir sobre a educação de nosso país, sem estar na sala de aula como professores. Pensei, então, em aproveitar A Utopia, de Thomas More, para provocá-los a pensar no que seria a educação atual frente às mazelas que vivenciamos. Eles realizaram uma pesquisa sobre Educação no Brasil e leram o texto de More. Escreveram, então, uma utopia de educação a partir de suas reflexões. A seguir, reproduzo alguns dos bons textos que surgiram nesta turma. Vale ler todos e pensar: qual é a sua utopia de educação?

Cidade dos Sonhos
Midian Santos
Um casal que vivia numa sociedade tomada pela violência, desigualdade social, totalmente destruída, descobriu que logo logo teriam uma linda criança para cuidar.

Preocupados com tantas coisas ruins que aconteciam naquela cidade, procuraram um lugar distante que nunca tivesse sido habitado por seres humanos. Escolheram uma ilha pequena e bela e por serem conscientes, fizeram o convite para alguns casais a fim de lá criarem uma sociedade perfeita.

O convite foi aceito por algumas pessoas que com seus conhecimentos ajudariam no desenvolvimento da sociedade.

É claro que eram pessoas com costumes diferentes, que até então também tinham interesses diferentes e abriram mão de algumas conquistas por um ideal que todos a partir daquele momento tinham em comum. Por isso a primeira decisão tomada foi que as crianças sempre saberiam que fora dali existiam outras sociedades e também que na cidade dos Sonhos prevalecia o amor, independente de qualquer diferença, até porque algumas diferenças acabariam com o tempo, já que ali não existiria concorrência nem desigualdade social..

Começaram a trocar informações sobre suas profissões, permitindo que todos soubessem um pouco de tudo, e assim, se formaria uma sociedade uniforme.

Suas crianças começaram a crescer, aprenderam a escrever, ler a cuidar dos animais, das plantas e criar suas próprias brincadeiras.

Os pais podiam acompanhar seus filhos nas brincadeiras, afinal ninguém se matava de trabalhar, todos faziam suas tarefas e quem acabava primeiro ajudava o companheiro terminar sua tarefa também.

Não existia venda nem troca, pois tudo era feito por todos e para todos.

As crianças até uma determinada idade apenas brincavam e aprendiam sobre natureza e sabiam que num determinado momento trabalhariam com os adultos. Mas sabiam esperar, porque ali não havia ansiedade, pressa, inveja, desespero, roubo e etc.

No final da tarde os adultos contavam muitas histórias para as crianças, entre elas, contavam como era desastrosa a sociedade em que viveram antigamente. As crianças não entendiam e não acreditava como tantas coisas ruins aconteciam. Sempre perguntavam como uma criança podia ir à escola e não aprender, ou como alguém não tem acesso a água limpa, custavam acreditar que alguém podia dormir embaixo da ponte e ao mesmo tempo outra dormir tranquilamente com todo conforto sem se preocupar com o próximo.

Como as crianças da cidade dos Sonhos foram criadas com muito amor, imediatamente pediram que seus pais buscassem as pessoas das sociedades para morarem com eles. Isso se repetia todas às vezes que essa história era contada. Mas infelizmente não era possível atender esse pedido.

Após escutarem mais uma vez essas histórias, todos foram dormir, mas uma delas não parava de pensar em tudo que escutou e ao adormecer sonhou que estava visitando crianças de outras sociedades.

Ao chegar à cidade ela encontrou várias crianças brincando, respirando ar puro, animais sem serem maltratados. De uma casa sai um adulto e avisa que todos devem se arrumar pois logo chegará a hora de irem à escola.

As crianças pararam de brincar mais continuaram felizes pois amavam estudar e com certeza continuariam se divertindo . Passando algumas horas todas as crianças saíram de suas casas de banho tomado, com uniformes de escola e materiais escolares impecáveis.

Ao chegar à escola que tinha escrito ESCOLA PÚBLICA, percebeu que nada era como haviam lhe contado. As cadeiras, mesas, torneiras, banheiros, lanches, tudo era perfeito, então ela percebeu porque as crianças continuavam tão felizes.

Na sala de aula as professoras davam atenção para todos os alunos, afinal o número de crianças era pequeno e havia muitas salas de aula com grupos pequenos de alunos e professores dispostos. Percebeu que na sala de aula tinha um menininho sentado numa cadeira de rodas e ele não encontrava nenhuma dificuldade para se locomover, pois a escola estava totalmente adaptada, tinha rampas, elevadores e também pessoas com vontade de ajudar.

Perto de terminar a aula, uma das crianças lembrou à professora que ela ainda não havia passado o dever de casa, que era sempre algum trabalho relacionado à natureza.

De repente ela começou a escutar risadas e conversas e acordou.

Levantou motivada, disposta a fazer algo para mudar as histórias tristes que havia escutado. Reuniu-se com as demais crianças e descobriu uma forma de tentar mudar a humanidade que tinha tantas histórias tristes. Resolveram fazer vários barquinhos e colocá-los no mar com mensagens de respeito, incentivo à educação, paz e amor ao próximo.

Uma das criancinhas colocou no barquinho a história da sua cidade, da sua felicidade, da bondade que existe no coração do homem. E sabia que se os adultos não acreditassem no que estava sendo contado pelo menos contariam para as crianças uma historinha de faz de conta com final feliz e quem sabe com isso novamente a vontade de mudar surgiria em alguém daquela sociedade, criando outras belas e novas cidades.

Movimentos sociais e educação

Ah, é muito bom compartilhar o mundo com seres pensantes e reflexivos. Na semana passada, "cutuquei" uma destas pessoas maravilhosas que me permitem estar em sala de aula e pedi-lhe mais textos para o blog. Eis o que Rutimiriam Porto enviou. Texto polêmico. Vale ler e debater. O blog é pra isso.

A caça às escolas itinerantes
Por: Rutimirian Porto

“Segunda-feira, dia 02 de março, notícia inicial do Jornal da Globo: Ministério Público do RS fecha escola itinerante do MST. Em poucos minutos, a notícia: Presidente Lula crítica assassinato do fulano por parte de integrantes do Movimento dos Sem-terra. Overdose ideológica na veia. Sem anestésico”. (1)

Não é novidade que as principais fontes de informação populares, como jornal da Globo e a revista Veja, com frequência articulam notícias de interesse público de forma distorcida, ou seja, deixando lacunas como diz Marilena Chauí, dessa forma tem formado opiniões de acordo com os interesses políticos desse ou daquele partido. Mostrar o fechamento de escolas do MST e mostrar o presidente Lula contrário ao assassinato supostamente cometido por um integrante do movimento deixa transparecer que essa já não é mais uma causa apoiada pelo mesmo.

É claro que o MST conta com o apoio do atual governo brasileiro. E não deveria ser diferente, já que na essência o PT é ou pelo menos dizia ser um partido de trabalhadores, sendo assim, é coerente que movimentos de reivindicação de trabalhadores rurais por reforma agrária tenham simpatia petista.

Por outro lado, contar com esse apoio não justificaria – caso seja constatado pela CPI que foi aprovada hoje quinta-feira 22 de outubro – que verbas públicas sejam utilizadas por esse movimento. Ao contrário, existem discussões sobre a legitimidade desse movimento como movimento social.

O promotor de justiça do Rio Grande do Sul, Gilberto Thums, defende que o MST transformou-se em movimento político ideológico, financiado por ONGs que recebem verbas públicas e são repassadas ao movimento, com base nessas afirmações algumas medidas foram tomadas como bloqueio às contas bancárias e fechamento das escolas itinerantes.

O caso das escolas é curioso, o promotor afirma que nas escolas desses acampamentos são ensinadas táticas de guerrilha armada. Já o Ministério Público alega que seu fechamento deve-se ao fato de que “elas não seguem as diretrizes pedagógicas oficiais e implantam a ideologia socialista nos alunos.” (segundo o Jornal O Globo de 19/02). Por estes motivos foram fechadas no início desse ano.

O intuito do promotor é defender sua opinião pessoal (segundo o mesmo) de que o movimento deve ser extinto e jogado na ilegalidade por incitar o vandalismo, a violência e a invasão ao patrimônio privado produtivo e que seus membros deveriam ser tratados como criminosos.

Utilizar-se desse discurso pejorativo a respeito da educação nos acampamentos é tão polêmica quanto o próprio movimento, que é amado por muitos e odiado por tantos outros. Se de um lado encontramos entre seus defensores ícones nacionais da educação como Paulo Freire e Florestan Fernandes que defendiam de forma bastante contundente que nosso país é carente de movimentos sociais e que o MST é um símbolo de tal resistência contra o latifúndio e defensor da consciência de classe, por outro somos bombardeados por manifestações da mídia contrárias a ele como é o caso da publicação na revista Veja em setembro de 2004. A jornalista protesta contra o fato dos estudantes terem um calendário alternativo que difere da cartilha do Ministério da Educação, ela afirma que em visita a acampamentos no RS notou que “os professores utilizam, uma espécie de calendário alternativo que inclui a celebração da revolução chinesa, a morte de Che Guevara e o nascimento de Karl Marx. O Sete de Setembro virou o "Dia dos Excluídos", e a Independência do Brasil é grafada entre aspas. "Continuamos dependentes dos países ricos”. (3)

Que a intolerância sempre existiu porque o ser humano não sabe viver com os desiguais, ou não quer saber por medo de perder o poder, não é novidade. Que nosso país se recusa a admitir as discriminações contra mulheres, negros, pobres e aí por diante continuam fazendo parte do nosso cotidiano, também não se discute aqui.

Fico com a definição de Maria Eleusa Mota Santana, representante dos movimentos sociais em Uberlândia, “o MST não foi invenção de alguns (as) trabalhadores (as) brasileiros (as). Trata-se de um movimento social de extrema importância, uma vez que tem uma especificidade classista, uma dimensão contestatória radical. São camponeses e camponesas que se organizaram na luta pela terra e passaram a ser reconhecidos mundialmente como Sem-Terras do MST, numa denominação que a imprensa adota e divulga como sendo a saga do povo camponês ao buscar o fio da meada que havia ficado solto desde o desmoronamento das Ligas Camponesas pelos militares na Ditadura.” (2).

A preocupação real e que não podemos deixar de refletir, é que deixando o maniqueísmo de lado acerca desse assunto, os engajados nesse movimento poderiam ou deveriam pensar até que ponto os protestos do promotor Gilberto Thums são infundados, será que o MST e sua causa nobre não está sendo usado como massa de manobra? De fato sua base é formada por pessoas com extremas dificuldades em vários âmbitos, mas o que há por trás disso tudo, que por que depois de tanto tempo de existência, ultimamente esses pobres famintos vêm incomodando tanto as autoridades?

Não nos esqueçamos que por trás do lema “brioche para todos” gritado pelo povo faminto na Revolução Francesa, estava um forte interesse político burguês que em nenhum momento depois de sua vitória possibilitou o brioche para todos, ao contrário, a fome continuou, a exploração aumentou e deu asas ao vôo do capitalismo.

De qualquer forma, podemos dar asas também ao “terrível” pensamento feminista do poeta Zé Pinto que tanto me encantou:

Não nos faça essa maldade

Se queres lavar meu prato
Só porque tu és mulher,
Imploro-te de joelhos
Não nos faça essa maldade.
Reforçar este machismo
Nunca trará recompensa.
Se a consciência tem flores
Mas também dita a sentença
Nem deveria viver
Quem te faz reconhecer,
Que teu caminho é apenas
Entre o fogão e a despensa.

(Zé Pinto é cantador, poeta e compositor do MST)

Rutimiriam

Fontes
(1)http://livresassociacoesdafifi.blogspot.com/2009/03/escolas-itinerantes-fechadas.html(aceso em 22-out-2009)
(2)www.revistadeeducacaopopular.proex.ufu.br/.../getdoc.php?id...(acesso em 22 out-2009
(3)http://veja.abril.com.br/080904/p_046.html(acesso em 22-out-2009)

Favela tem memória

Queridos e queridas,
Descobri um site que vale espiar : trata-se um um espaço destinado a divulgar histórias sobre as favelas do Rio de Janeiro, inclusive com depoimentos de moradores.
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Loucura, poesia e poder

Gustavo Querodia Talerow já dispensa apresentações neste blog. Historiador, professor e mestrando deixa seu olhar e marca presença em seus textos. Gustavo tem se mostrado apaixonado também neste novo caminho que percorre: ao longo das pesquisas para o mestrado, deparou-se com cartas dos internos de instituições de “saúde mental” e deliciou-se com o conteúdo delas.

Generoso, compartilha conosco suas primeiras reflexões sobre o material.



Tem razão! O oceano entre os continentes da loucura: A arte de pensar (n) o Hospital do Juquery.

Simão Bacamarte, protagonista da clássica obra de Machado de Assis, “O Alienista”, ao buscar as causas, as manifestações e as formas de lidar com a loucura, já apontava a dimensão da tarefa a que se havia proposto ele e os “alienistas” de seu tempo:

“A loucura, objeto dos meus estudos, era até agora uma ilha perdida no oceano da razão; começo a suspeitar que é um continente.”

Esta tarefa se torna ainda maior quando consideramos os portadores de transtornos mentais pessoas capazes de pensar, criar e refletir, independentemente da sua doença, uma vez que, nesta abordagem, o limite entre a razão e a “loucura” se torna tênue, muitas vezes quase imperceptível. A discussão sobre a possibilidade de haver ou não uma “razão” por trás das doenças mentais permeou toda a história da Psiquiatria e provocou em determinados momentos o seu afastamento da Psicologia, por exemplo, em suas diversas vertentes. Entretanto, com o movimento de Reforma Psiquiátrica [1], que propõe uma análise multidisciplinar sobre os doentes mentais, as produções artísticas, culturais e políticas destas pessoas passaram a receber uma atenção mais efetiva e pormenorizada.

Fato é que já nas décadas de 1930 e 1940, alguns médicos brasileiros buscavam nas artes a solução para os transtornos mentais de seus pacientes, como é o caso da Dra. Nise da Silveira no Rio de Janeiro e de Osório Cesar no Juquery, São Paulo. Todavia, tanto os psiquiatras quanto a sociedade em geral construíram ao longo do tempo uma imagem de incapacidade destes doentes, de modo que as suas palavras, opiniões, escritos e manifestações artísticas eram consideradas somente a comprovações da presença de delírios.

Como parte das pesquisas para a composição da minha futura dissertação de Mestrado, analiso os prontuários médicos produzidos no Hospital do Juquery entre 1923 e 1945, compondo um perfil dos pacientes ali internados e transcrevendo alguns trechos que julgo elucidativos. Esta verdadeira incursão na realidade que os pacientes ali internados viviam e nas histórias de vida ali apresentadas, foi possível verificar o conflito entre a “razão” e a “loucura”, em tentativas de imposição de suas concepções de normalidade por parte dos médicos e na luta por ter voz por parte dos pacientes. Sem a pretensão de fazer maiores discussões sobre as formas de atuação dos médicos ou sobre o próprio histórico do Juquery, pretendo compartilhar aqui algumas etapas destes conflitos, mais que de “dominação” ou de “controle” em termos foucaltianos [2], mas de mostrar a razão que há por trás da loucura diagnosticada.

Prática comum naquele hospital era a de interceptar as cartas redigidas pelos pacientes para comprovar os delírios apresentados a partir da análise de seus conteúdos e da própria grafia dos doentes (“estudo grafopatológico”). Este acervo se constitui importante fonte documental para compreendermos a visão que os pacientes tinham sobre a sua doença, sua condição de reclusão e sobre o atendimento que recebiam no hospital e a avaliação que os médicos faziam sobre esta produção.

Um exemplo interessante é o do paciente Benedicto R. P, 30 anos, internado em 21/07/1923, negro, sargento da “Força Pública”. No relato de sua doença, o psiquiatra afirma que não encontrou nele a “presença de delírios”, mas que ele é “tolo, ambicioso e tem mania de perseguição”. O paciente redigiu uma carta, que foi interceptada pelos médicos, ao seu superior da Força Pública e ela acabou por constituir a base para o seu diagnóstico de “Parafrenia”. As observações em destaque são a reprodução exata das realizadas pelos médicos na carta em questão:

“[...] estando em bom estado, tomo a liberdade de pedir a V.S., por especial fineza a dispensa do meu irmão cabo-tambor deste mesmo batalhão, afim de que ele possa vir ao hospício entender-se comigo a respeito de minha saída.

Meu mano virá com a minha senhora e as crianças. Provavelmente ele lembrará de trazer as roupas, cigarro, fumo e dinheiro para as despesas que forem necessárias

Falta de lógica

Sem mais, queria aceitar a recomendação afetiva do meu fiel camarada e amigo B.R.P, do regimento de cavalaria”

Egocentrismo e falta de respeito

Aqui é possível perceber que o fato de o paciente tratar com certa intimidade o seu superior, faz com que se legitime o seu diagnóstico, uma vez que ele estaria violando as normas e hierarquias estabelecidas. A clareza da escrita e a coerência nela expressa em nenhum momento são analisadas. Este paciente faleceu em março de 1925, sem que a causa fosse relatada.

Com esta mesma conotação, um rapaz de 28 anos, branco, internado em 29/04/1928 teve as suas cartas endereçadas para sua família interceptadas para comprovar seu diagnóstico de “Melancolia ansiosa”, que fazia com que suas lamentações “entrassem pelo crepúsculo e o encontravam ainda no raiar do dia”:

“Querida família:

Não sei qual o motivo que deixou de vir me visitar. Sinto saudades de todos daí e ninguém vem me visitar. Será possível que vossos corações transformaram em pedra, ou morreram todos? Eu faço questão que minha família venha me visitar.

Estou cansado de escrever a vocês e não obtenha resposta. Esta será a última carta que escrevo antes de ir para o suplício eterno. Quero que ninguém senão chamarei todos vocês de traidores”.

Neste caso, a súplica do rapaz para que a sua família o fosse visitar serviu somente para que se comprovasse a “melancolia” que provocou sua internação. Vale dizer que em seu prontuário consta que ele tinha “inteligência lúcida, caráter reto. Era estudante de Medicina”. Todavia, a lucidez de seus escritos não foi capaz de fazer sucumbir o estigma de loucura que foi colocado sobre ele.

Por outro lado, tive o prazer de encontrar verdadeiras obras de arte anexadas junto aos relatórios médicos. Pude observar poemas, esboços de livros escritos dentro de hospital, partituras de músicas e desenhos diversos com uma qualidade excepcional, que confesso que me despertaram admiração e a certeza de que poucos “normais” ou “não-loucos” fariam melhor. Entretanto, muitas vezes essas composições acabavam passando despercebido pelos médicos, que tão somente as anexavam nos prontuários, sem vê-las, em sua grande maioria, como arte.


Neste sentido, muito me chamou a atenção um poema escrito por Benedicto Antonio N., 37 anos, branco, brasileiro, lavrador, internado em 06/11/1929. Oriundo de Jacareí trabalhava com a plantação de café e teve as suas finanças prejudicadas pela crise econômica ocorrida no ano de sua internação. Neste poema, escrito em 1932, o “paciente” busca demonstrar o que gerou a sua doença e as arbitrariedades e a incipiência da medicina mental que passou a cuidar de seus conflitos pessoais:

“Senhor médico e amigo
Vou contar a minha situação
Quatro anos de sofrimento
Que me corta o coração.

Eu a sete anos atraz estive
Gozando a minha saúde perfeita,
Veio esta baixa do café
Veio esta doença desgraçada todos defeito.

Eu quando vi isso fui procurar
Um médico para curar para ficar forte,
Eu na confiança dele quazi
Me poz mais a morte.

Mas eu percebi isto passei com outro
Elle me receitou injeção de bismutho
Eu pensei que era bom
Era outro bruto!
[...]
Assim foi até que elle me mandou
Ao Hospital de Juquery,
Deixando mai pai e minha terra
E amigos que justamente a Jacarehy.

Agora quando cheguei no Juquery
Fiquei muito desanimado,
A olhar para a cara daqueles doentes
Tão feia que parecia cara de um dia de tempestade.
Eu pensei cá comigo
Aqui neste hospital estou desgraçado,

Mas o que lhe hei de fazer
Se me sinto nesta chave trancado!
[...]
No fim de dezesseis mezes
Lá em desgraça e febre,
Lá foi meia dúzia de corcoveos
Para ver se escapa dos 7 palmos que é debaixo da terra.

Isto tudo é contado pela subida e baixa do café
Em todo o mundo e 7 em 7 anos,
E pelo sangue e nervos que todos morrem
E assim o mundo vai se acabando.
[...]
Vocês estão vendo!
Povos tão doentes e fracos
E o sangue e os nervos que estão
Matando e mandando para os buracos.
[...]
Dou este verso
Por fim terminado,
Dizem os bons médicos
Que se morrer está tudo desgraçado”

Incrível pensar que 80 anos depois as diversas crises econômicas e o próprio mundo em crise, continua a levar muitos “para os buracos” e continua a mexer com os nervos de muitos. O autor do poema foi diagnosticado com “psicose maníaco-depressiva”, o que é fácil de relacionar com seu estado econômico após a perda de seus bens. Um duro golpe àqueles que sempre diagnosticaram a loucura a partir de “sinais de degeneração” [3] ou por questões raciais. Talvez por isso o poema não tenha recebido a atenção que merecia.

Por fim, é impossível deixar de refletir sobre o caso de Laura L. P., 33 anos, branca, brasileira, internada em 01/08/1930. Diagnosticada com “Esquizofrenia”, passou a recebeu as terapias mais agressivas da história da Psiquiatria, como a Insulinoterapia, o Choque cardiazólico e a Eletroconvulsoterapia, o ECT [4], e foi encaminhada para ser submetida a uma leucotomia, o que acabou não se efetivando. Em seu prontuário consta que sua doença se manifestou a partir da morte de sua mãe, o que ocasionou “perda de afetividade” e delírios persecutórios.

Um ponto chave para o seu diagnóstico é o fato de ela recitar poemas em francês, alemão e inglês e “cantar insistentemente”, passando de “uma cançoneta italiana para uma canção alemã ou ainda para um trecho de uma ópera qualquer”. Este seu “estado de agitação” e o volume de poemas recitados e escritos justificavam a sua permanência no Hospital. Em seu prontuário, consta um poema de Vicente de Carvalho, copiado pela paciente em questão, que reforçava, assim, o argumento dos médicos:

“Cahir das rosas
Deixa-me, deixa-me fonte, dizia a flor

Tonta de terror e a fonte sonora e fria
Rolava levando a flor!...
Ahi, balança meu galho, balanços do berço

Meu, ahi claras gottas de orvalho colhida do
Azul do céu! Chorava a flor e gemia branca
Branca de terror e a fonte sonora e fria rolava levando a flor!...
[...]”.

Desta maneira, todo um arsenal terapêutico foi mobilizado somente para conter estas expressões de uma pessoa que possuía uma “perda de afetividade”.

É importante ressaltar que não devemos ver os médicos como “brutos” ou “maquiavélicos”, numa visão maniqueísta. Aquela era a medicina da época que com sua lógica, suas terapias e concepções buscava a cura daqueles que estavam sob a sua responsabilidade. Todavia, o fato é que a herança de estigmatização dos doentes mentais, bem como a sua exclusão social e a subjugação de suas produções permanecem latentes em nossa sociedade.

Os novos estabelecimentos extra-manicomiais têm buscado construir uma abordagem mais inclusiva e que valorize a razão que há na loucura. Numa análise recente podemos verificar esta concepção no documentário “Estamira” [5], que mostra a vida de uma senhora que após sofrer vários reveses em sua vida, manifesta um transtorno mental e passa a viver dentro de um aterro sanitário, o que não a impede de filosofar sobre a vida, religião, sobre questões ambientais e sobre o atendimento médico que recebe.

Assim, voltando à conclusão de Simão Bacamarte, como os oceanos são maiores que os continentes, a razão sempre envolve a “loucura”. Numa sociedade em que tudo deve ser “comprovado cientificamente”, o número de pessoas que sofrem de algum distúrbio mental é crescente. O que é mais racional? O que é ser louco? Talvez tenhamos perdido muito tempo marginalizando os “diferentes” que acabamos nos esquecendo que todos somos iguais. Vale a reflexão.

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[1] Movimento presente em vários países que propõe a extinção dos Hospitais Psiquiátricos e a implantação de uma rede de atendimento alternativo, sem que haja a exclusão social e a manutenção de doentes em regime asilar de longa duração. Para maiores informações, ler: AMARANTE, P. D. de C. (coord.). Loucos pela vida: a trajetória da reforma psiquiátrica na Brasil. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 1995

[2] Michel Foucault, filósofo francês (1926 – 1984). Autor de obras consagradas como “História da loucura”, “Vigiar e punir” e “Microfísica do poder”.
[3] Para maiores informações sobre Eugenia e as discussões sobre “degeneração”, ver: SCHWARCZ, L. M.. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil, 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
[4] Essas terapias são chamadas de “Terapias biológicas”, pois cada uma com sua especificidade busca provocar uma alteração no funcionamento corpóreo, seja pelo coma, pelas febres ou pela convulsão, o que teoricamente provocaria a cura das doenças mentais.
[5] Direção de Marcos Prado, 2006.